Canábis Medicinal em Oncologia: Uma Ferramenta Terapêutica em Evolução

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A canábis medicinal tem sido alvo de atenção crescente em oncologia, sustentada por evidência científica progressiva e pelo crescente interesse dos doentes. Apesar de alguma controvérsia – relacionada com padronização, regulamentação e ausência de guidelines universais – a sua utilização mostra benefícios clínicos em áreas-chave dos cuidados oncológicos paliativos.

A planta Cannabis sativa contém mais de 100 fitocanabinoides, sendo o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) os mais estudados. Ambos interagem com o sistema endocanabinoide, influenciando vias neuronais associadas à dor, inflamação, náuseas, apetite e humor. Este sistema torna-se particularmente relevante em contexto de doença oncológica avançada, onde o controlo sintomático é central.

O uso mais bem estabelecido da canábis medicinal prende-se com o controlo de náuseas e vómitos induzidos pela quimioterapia. Ensaios clínicos demonstraram que preparações sintéticas de THC (dronabinol e nabilona) apresentam eficácia semelhante ou superior a antieméticos tradicionais em alguns casos, especialmente quando outros fármacos falham (1,2). A dor crónica, sobretudo de origem neuropática – comum em doentes submetidos a cirurgia, quimioterapia ou radioterapia – é outra indicação com evidência razoável para a introdução de canabinoides (3,4). Em alguns estudos, foi possível reduzir as doses de opioides com manutenção do controlo da dor, o que é relevante para reduzir efeitos adversos.

A canábis medicinal tem também sido associada à melhoria do apetite, ganho de peso e do humor em doentes com caquexia ou em cuidados paliativos, contribuindo para a qualidade de vida (5). Ainda que os efeitos variem consoante a composição e a via de administração, há consistência nos relatos, de maior bem-estar geral.

Importa distinguir estas utilizações do potencial antitumoral dos canabinoides. Estudos in vitro e em modelos animais têm evidenciado efeitos antiproliferativos, antiangiogénicos e proapoptóticos, particularmente com CBD (6), mas até ao momento não existem ensaios clínicos robustos que justifiquem o seu uso com esse objetivo.

A farmacocinética dos canabinoides varia com a via de administração. A biodisponibilidade oral é baixa (6-20%) devido ao efeito de primeira passagem hepática, com pico plasmático em 1–2 horas. A inalação permite ação mais rápida, mas com maior variabilidade interindividual (7).

Enquanto médicos, é fundamental adotar uma abordagem clínica individualizada, ponderando os potenciais benefícios sintomáticos face aos riscos (como sedação, hipotensão, alterações cognitivas ou interações medicamentosas). A prescrição deve ser criteriosa, baseada em evidência, mas também centrada no doente, com acompanhamento próximo.

Mais do que uma terapêutica “alternativa”, a canábis medicinal representa, para muitos doentes, uma opção adicional quando as abordagens convencionais são insuficientes. A sua integração responsável nos cuidados oncológicos é um exercício de ciência, empatia e dignidade.

Defender o uso da canábis medicinal em oncologia é, acima de tudo, defender a possibilidade de oferecer conforto, controlo sintomático e melhoria da qualidade de vida em momentos particularmente desafiantes.

Referências

  1. Whiting PF, et al. Cannabinoids for Medical Use: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA. 2015;313(24):2456–2473.
  2. Tramer MR, et al. Cannabinoids for control of chemotherapy-induced nausea and vomiting: quantitative systematic review. BMJ. 2001;323(7303):16–21.
  3. Häuser W, et al. Efficacy, tolerability and safety of cannabis-based medicines for chronic pain: a systematic review. Eur J Pain. 2018;22(3):455–470.
  4. National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine. The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids. NASEM Report. 2017.
  5. Bar-Sela G, et al. The Medical Use of Cannabis in Oncology: A Review. J Clin Oncol. 2023;41(5):835–843.
  6. Pisanti S, et al. Cannabinoids: a new strategy for fighting cancer. Nat Rev Cancer. 2013;13(6):392–404.
  7. Grotenhermen F. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of cannabinoids. Clin Pharmacokinet. 2003;42(4):327–360.

 

Fonte: Saúde Online
Artigo Original: Link
Autor: Rui Soares