História

Durante muitos séculos, a canábis foi utilizada pelas sociedades Europeias e do Leste Asiático com baixas percentagens de THC (<1%), sendo essencialmente utilizada para obtenção de fibras e para o fabrico de tecidos, dada a sua resistência. A origem da canábis remonta à Ásia Central (Monte dos Himalaias), mas no leste de África e no sul da Ásia a planta foi usada primeiramente pelas suas propriedades psicoativas. Eram utilizadas plantas destas regiões que continham ente 5 a 10% de THC.

Os primeiros relatos do uso da canábis para fins medicinais remontam à época do Imperador chinês Shen Nung, cerca de 2.700 a.c.. Registos muito antigos sobre o uso da planta em placas de argila cuneiformes Sumérias e Acádias, cerca de 1.800 a.c., mostravam o uso da planta para tratar uma variedade de doenças, incluindo “convulsões noturnas”1. Mais tarde, já na literatura Árabe e Islâmica, surgem registos explícitos do uso da planta para o tratamento das convulsões e epilepsia2.

De acordo com o neurologista, farmacologista e investigador Ethan Russo, a planta esteve sempre associada ao tratamento da epilepsia, desde os primórdios. Fontes credíveis Assírias já faziam referência ao tratamento de crises epiléticas com a planta e como esta continuou a ser usada na medicina árabe e em tratamentos de epilepsia na Índia.3 Mais tarde, apareceram novas experiências com a chamada “Indian Hemp” (Cannabis Indica), na Europa e na América do Norte.

A primeira e mais detalhada descrição do uso medicinal da canábis como anticonvulsivante foi publicada em 1843 por W.B. O’Shaughnessy,4 médico investigador do Exército de Bengala. Após testar os efeitos comportamentais das várias preparações da espécie Cannabis Indica em animais e humanos, ele percebeu o potencial existente nos extratos da planta em pacientes com diferentes distúrbios e relatou os impressionantes efeitos anticonvulsivantes numa menina de 40 dias de idade, com crises epiléticas recorrentes.5

No século XX, o uso da planta canábis nos mais diversos países entrou em declínio, em parte devido à proibição do seu cultivo. Contudo, os avanços científicos sobre as propriedades da planta continuaram e os investigadores e farmacologistas começaram o seu trabalho na caraterização química dos seus ingredientes ativos e na relação entre a estrutura molecular e a atividade biológica. Enquanto que vários estudos se centravam nos efeitos da canábis fumada, com o objetivo de controlar as crises, cedo se percebeu que os efeitos psicoativos do tetrahidrocanabinol (THC) limitavam a aplicabilidade de determinadas preparações da planta no tratamento das crises. Desde então, a atenção mudou para a utilização dos ingredientes não-psicoativos, como o canabidiol (CBD).

Um dos primeiros estudos que comprovou a eficácia das propriedades anticonvulsivas da planta foi publicado por J. P. Davis e H. H. Ramsey em 1949.6 Desde então, a investigação aliada à experiência de famílias com pacientes com epilepsia levou a um enorme interesse na canábis e no seu potencial medicinal, especialmente focado no canabidiol (CBD), mas também na investigação adicional feita com o tetrahidrocanabinol (THC) e no ácido tetrahidrocanabinol (THCA) entre outros fitocanabinóides.

Mais recentemente, tornou-se mediático o caso de sucesso de Charlotte,7 uma menina com Síndrome de Dravet (mutação no gene SCN1A) que obteve uma notável melhoria das convulsões após lhe ser administrado um extrato enriquecido em CBD. Essa variedade da planta ficou mundialmente conhecida como Charlotte’s Web.8

 

  1. Friedman D, Sirven JI. Historical perspective on the medical use of cannabis for epilepsy: ancient times to the 1980s. Epilepsy Behav 2017;70(PtB):298-301.
  1. Russo EB, Jiang HE, Li X, et al. Phytochemical and genetic analyses of ancient cannabis from Central Asia. J Exp Bot 2008;59:4171-82.
  1. Cannabis and epilepsy: An ancient treatment returns to the fore, Ethan B. Russo, MD (2016). Este artigo faz parte de um artigo intitulado “Cannabinoids

and Epilepsy”. Elsevier Inc.

  1. Também Professor na Universidade de Medicina de Calcutá.
  1. O’Shaughnessy WB. On the preparations of the Indian hemp, or Gunjah: Cannabis indica their effects on the animal system in health, and their utility in the treatment of tetanus and other convulsive diseases. Prov Med J Retrosp Med Sci 1843;5:363-9.
  1. P. Davis e H.H. Ramsey, “Antiepiletic Action of Marijuana-active substances”, Federation Procedings 8 (1949): 284-285
  1. A Charlotte começou com apenas uma gota por dia – “Weed” Documentário da CNN, partes 1-3, (2013-2015).
  1. O famoso óleo de CBD fabricado pelos Stanley Brothers no Colorado, EUA.

A Planta Canábis

Quando falamos de Canábis referimo-nos a uma planta florida da qual existem três espécies principais: Cannabis Sativa L.,1 Cannabis Indica e Cannabis Ruderalis.

A Cannabis Sativa é constituída por centenas de compostos químicos, entre eles canabinóides, terpenos, flavonóides, hidrocarbonetos, aminoácidos, esteróides, açúcares, entre outros, que se encontram nas flores, folhas, caules, sementes, vagens, brotos, resinas e em extratos oleosos da planta.

Os canabinóides são substâncias que têm uma estrutura química carbocíclica, composta por 21 carbonos, e são geralmente formados por três anéis: o ciclohexeno (anel A), o tetraidropirano (anel B) e o benzeno (anel C). Na figura 1 está representada a estrutura básica dos canabinoides mais importantes e respetiva enumeração.

Os canabinóides mais conhecidos e mais estudados são o Delta9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC ou THC), Delta8- tetrahidrocanabinol (Δ8-THC), canabidiol (CBD) e canabinol (CBN), e aparecem em quantidades diferentes, de acordo com a variedade da planta. O cânhamo industrial,2 uma das variedades da Cannabis Sativa L., é a mais rica em CBD e tem uma percentagem residual de THC.

Por esta razão, o cânhamo é a variedade da planta mais utilizada para a produção de óleo de CBD como suplemento alimentar e para fins medicinais.

A Canábis é cultivada desde há sete mil anos um pouco por todo o mundo, sobretudo em zonas de clima quente e temperado. É na sua generalidade uma planta vigorosa, com uma forte raiz aprumada e desenvolve-se muito rapidamente.

Fig. 1 – Estrutura química dos canabinóides mais importantes.

Não necessita de muita irrigação, nem de pesticidas, mas em contrapartida necessita de uma boa fertilização. A técnica de cultivo é simples e desenvolve-se quase sem necessidade de manutenção.

Trata-se de uma planta dióica, ou seja, que pode ter pés masculinos e pés femininos. As fêmeas alcançam maior tamanho, maior diâmetro, contêm maior quantidade de canabinóides em relação às plantas macho e só morrem após o amadurecimento das sementes. A planta macho tem um tempo de vida mais curto (morre após a libertação do pólen).

Para extrair apenas o canabidiol, deverá utilizar-se uma planta com alto teor de CBD e baixo teor de THC, respeitando os pontos de maturação da planta, pois as suas concentrações variam de acordo com este ponto. Para a extração é necessário um solvente e o extrato é conseguido através da evaporação desse mesmo solvente.

Para além do CBD e do THC existem nestes extratos outros canabinóides, em grande parte não psicoativos, com princípios ativos que podem ser muito benéficos em determinadas patologias: canabinol (CBN), canabicromeno (CBC), canabiciclol (CBL), canabigerol (CBG), canabidivarin (CBDV), ácido canabidólico (CBDa), canabigerol (CBG), ácido tetrahidrocanabinol (THCa), éter monometílico de canabigerol (CBGM), canabielsoin (CBE), canabinodiol (CBND), canabitriol (CBT), entre outros.

Os canabinóides derivados da planta possuem numerosas e complexas propriedades. Inúmeras investigações têm vindo a ser realizadas nos últimos anos, demonstrando qual a função destas moléculas neuroprotetoras, a sua capacidade de influenciar o cérebro, a sua função imunológica ao nível molecular e a sua intrínseca atividade antioxidante.

Notas:

  1. Em geral, a Cannabis Sativa L. contém mais concentração de THC do que a Cannabis Indica.
  1. Em inglês “hemp”.


 

O CBD

O canabidiol (CBD) é um canabinóide praticamente desprovido de propriedades psicoativas e com efeitos secundários negligenciáveis. Tem uma baixa ligação aos recetores canabinóides CB1 e CB2, mas atua como um antagonista indireto destes. O CBD é conhecido pelas suas propriedades neuroprotetoras, resultante do seu poder antioxidante contra os radicais livres de oxigénio produzidos nos neurónios por libertação excessiva de glutamato. A sua ligação ao sistema imunológico leva-nos a possíveis efeitos benéficos em doenças inflamatórias, auto-imunes e tumorais, entre outras patologias.

Segundo a FDA (Food and Drug Administration, dos EUA), os canabinóides são reconhecidos como antioxidantes e neuroprotetores com propriedades muito mais poderosas do que as vitaminas C e E.3

O CBD é portanto um poderoso anticonvulsivante, analgésico, ansiolítico, antiemético, imuno-modulador, e tem propriedades anti-inflamatórias, neuroprotetoras e antitumorais, de acordo com os estudos mais recentes.4

 

O THC

Os canabinóides psicoativos estão localizados por toda a planta, sendo que a concentração de THC varia de acordo com a sua localização. As flores, folhas secas ou talos podem ter concentrações de THC de 1 a 5%, enquanto que a resina produzida pela plantapode chegar a uma concentração de entre 5 a 10%.

O Δ9-THC ou THC é o canabinóide com maior poder psicoativo. Apresenta propriedades hidrofóbicas, por isso é muito lipossolúvel. Isso faz com que sua distribuição e a sua eliminação apresentem diferenças em relação a outras drogas. Um aspeto bastante importante e que muitos desconhecem é que nunca nenhuma pessoa entrou em overdose pelo consumo de canábis. Em estudos experimentais, o THC revelou ser também anticonvulsivante, analgésico, relaxante muscular, anti-inflamatório, anti-emético e estimulador do apetite.

No caso da atividade anticonvulsivante do THC, esta parece ser mediada em grande parte pela sua ação agonista parcial sobre o recetor CB1 (recetor do SNC). É possível, assim, potenciar os efeitos do THC ao aumentar a densidade do recetor CB1.

Quando as preparações de Cannabis Sativa L. são consumidas de forma fumada ou vaporizada e absorvidas pelos pulmões, a entrada de THC no sangue e a subsequente distribuição nos tecidos é muito rápida e muito semelhante à administração intravenosa. A concentração mais alta de THC no sangue é atingida em poucos minutos, normalmente de três a cinco minutos após a primeira vaporização.

A ingestão de canabinóides por via oral resulta em níveis plasmáticos de THC, inicialmente menores do que quando inalados. Oralmente, a sua biodisponibilidade é reduzida pela sua sensibilidade à acidez do suco gástrico.5 Portanto, teríamos que ingerir uma quantidade maior de THC para conseguir o mesmo efeito fisiológico obtido através das vias respiratórias.

Lamentavelmente, as pessoas não estão devidamente informadas sobre a planta e desconhecem que é possível extrair dela muito mais para além do psicoativo tetrahidrocanabinol (THC), que é conhecido apenas pelos seus efeitos psicotrópicos. A grande maioria das pessoas desconhece que até mesmo o THC tem características medicinais incontestáveis e que existem diferentes formas de apresentação deste canabinóide.

  1. Recetores canabinóides no nosso SNC.
  2. Reddy DS, et al. (2016) The pharmacological basis of cannabis therapy for epilepsy. J Pharmacol Exp Ther 2016;357:45-55. Rosenberg EC, Devinsky, O, et al. (2015) Cannabinoids and epilepsy. Neurotherapeutics 2015;12:747-68. Benbadis SR, Sanchez-Ramos J, Bozorg A, et al. (2014) Medical marijuana in neurology. Expert Rev Neurother; 14:1453-65.
  1. Ribeiro, José A.C. 2014. A canábis e suas aplicações terapêuticas. Universidade Fernando Pessoa. Faculdade de Ciências da Saúde. Porto.

Sistema Endocanabinoide

De acordo com Julie Holland, no seu livro The Pot Book – A Complete Guide to Cannabis, todos nós possuímos um sistema molecular no nosso corpo, conhecido como sistema endocanabinóide,1 constituído por recetores específicos que nos permitem entender melhor a ação da canábis. Este sistema está envolvido na fisiologia normal humana, especialmente no controlo do movimento, dor, apetite, memória, imunidade, inflamação, entre outros.

A presença de recetores canabinóides no cérebro e nos tecidos sugere que há uma ligação muito importante no nosso sistema nervoso. Ora vejamos o funcionamento de uma chave e de uma fechadura. Se pensarmos que um medicamento (chave) funciona através de um recetor (fechadura), quando a chave tem o encaixe perfeito para determinada fechadura, sendo a fechadura o recetor, vai desencadear uma resposta celular quando aberta. Como o nosso corpo tem o seu próprio sistema canabinóide endógeno (sistema endocanabinóide), quando o CBD é introduzido dá-se uma normalização dos sistemas funcionais do corpo, permitindo que os canabinóides façam uma comunicação bidirecional entre as células nervosas.

Os inúmeros estudos sobre o isolamento dos canabinóides, das suas estruturas, da estereoquímica, da síntese, do metabolismo, da farmacologia e dos efeitos fisiológicos, têm permitido identificar os recetores canabinóides específicos, localizados no sistema nervoso central (CB1), e no sistema periférico (CB2), além da identificação dos canabinóides endógenos. Consequentemente, foi possível entender de alguma forma o mecanismo de ação dos canabinóides e a respetiva relação estrutura/atividade.

Temos pelo menos duas proteínas recetoras moleculares distribuídas amplamente pelo SNC e periférico, o CB1 e o CB22 respetivamente. A descoberta destes recetores levou à pesquisa de substâncias que interagem com estes recetores e dos chamados canabinóides lipídios endógenos3, a anandamida e 2AG (arachidonoyl glycerol), encontrados em muitos tecidos do nosso corpo.

Um facto bastante interessante é que os bebés amamentados com leite materno têm à partida os recetores canabinóides ativados, porque o leite materno tem na sua composição o 2AG, um canabinóide produzido naturalmente pelo nosso corpo. De acordo com um artigo publicado em dezembro de 2004 na revista Scientific American, “The Brain’s Own Marijuana” (O Cérebro tem Marijuana), o nosso corpo produz compostos que são muito semelhantes aos encontrados na canábis. Os investigadores Igor Grant e Rael Cahn explicam também: “Os endocanabinóides estão presentes no leite materno, tendo níveis de 2AG mais altos do que níveis de anandamida.”4  Isto acontece porque tendo o nosso corpo recetores endocanabinóides pode ainda igualmente produzir os seus próprios canabinóides e, desta forma, estes podem estar presentes no leite materno. Sem a presença dos canabinóides no leite materno, o lactente não seria estimulado com o desejo de ser alimentado. A nossa saúde é alcançada através da homeostase5 fisiológica e, se olharmos especificamente para o bom funcionamento do nosso SNC, os neurónios excitatórios e inibidores têm que estar em equilíbrio para haver homeostase. De acordo com o médico cientista Asher Milgram, o CBD, através dos recetores canabinóides, tem um efeito no núcleo das células onde as proteínas são produzidas. Assim, ele regula cerca de 1.100 genes que são responsáveis por, naturalmente, reduzir a inflamação no nosso SNC e sistema imunitário, restaurando a homeostase em ambos os sistemas.

Evidências científicas têm comprovado que os recetores endocanabinóides têm um papel importante no controlo da transmissão sináptica e na regulação da atividade elétrica neuronal6 . Inúmeros estudos experimentais revistos recentemente em artigos7 científicos mostram que os nossos sistemas canabinóides endógenos são alterados em vários tipos de epilepsia, considerando que a modulação externa destes sistemas pode evitar ou modular a atividade epilética.

Os recetores canabinóides estão inseridos na membrana celular onde estão acoplados às proteínas G e à enzima adenilato ciclase (AC).

Quando há uma interação com um recetor canabinóide, ocorre a ativação das proteínas G, que são as primeiras componentes no processo de transdução8 de sinais. De seguida, ocorre a abertura ou bloqueio dos canais de cálcio e potássio, provocando alterações nas funções celulares.

Os ligantes, tais como a anandamida ou o Δ9-THC, ao ativarem os recetores, inibem a AC, diminuindo a produção da adenosina monofosfato cíclico (AMPc)9, o que origina a abertura dos canais de potássio (K+) e o fecho dos canais de cálcio (Ca2+), diminuindo a transmissão de sinais e um decréscimo na liberação de neurotransmissores10.

A interação com o recetor canabinóide depende do tipo de célula ligante. Existem vários tipos de agonistas para os recetores canabinóides. Estes são classificados dependendo da potência de interação com o recetor canabinóide e a sua eficácia, que por fim determinam a dose efetiva do fármaco.

O progressivo aumento da esperança média de vida e a incidência de doenças prolongadas, incuráveis, progressivas, entre outras, levaram a um interesse terapêutico pela canábis medicinal. A descoberta dos recetores dos canabinóides levou, nos últimos anos, à sintetização de vários compostos, tendo surgido medicamentos como o Epidiolex, Sativex, Marinol, Sesamet e Acomplia. O Sativex, por exemplo, tem uma relação de 1:1 (de CBD:THC) e foi desenvolvido para o tratamento da esclerose múltipla. O Epidiolex é CBD puro e está indicado no tratamento da epilepsia. Os outros medicamentos destinam-se a tratar a dor, a rigidez muscular, estimular o apetite ou parar as náuseas em doentes oncológicos e tratar pacientes com imunodeficiência adquirida (VIH). Este fabrico de canabinóides isolados sintéticos em laboratório vem, no entanto, contrapôr-se à utilização dos canabinóides na sua forma natural e ao efeito Entourage descrito por Ethan Russo, quando observou e relatou que os canabinóides funcionam melhor em sinergia uns com os outros. O ideal, então, é obter o efeito provocado pela combinação de todos os componentes da canábis. O segredo está em descobrir depois qual a estirpe mais indicada e qual a concentração de componentes mais adequada a cada pessoa e a cada patologia.

Notas:

  1. Descoberto, em 1992, pelo médico cientista Rafael Mechoulan na Hebrew University de Israel.
  1. Recetor que se apresenta na microglia e também em todo o sistema imunitário. (Reddy, DS. The pharmacological basis of cannabis therapy for epilepsy. J Pharmacol Exp Ther 2016;357:45-55.
  1. Substâncias que interagem com estes recetores.
  2. “Endocannabinoids are present in breast milk, 2AG levels being much higher than those of anandamide.”
  1. Processo de regulação pelo qual um organismo consegue a constância do seu equilíbrio.
  1. Blair, RE, et al. (2015) Cannabinoids: is there a potential treatment role in epilepsy? Expert Opin Pharmacother;16:1911-4. Soltesz I, et al. (2015) Weeding out bad waves: towards selective cannabinoid circuit control in epilepsy. Nat Rev Neurosci ;16:264-77.
  1. Hofmann ME, et al. 2013 Marijuana, endocannabinoids, and epilepsy: potential and challenges for improved therapeutic intervention. Exp Neurol; 244:43-50. Rosenberg EC, et al. (2017) Therapeutic effects of cannabinoids in animal models of seizures, epilepsy, epileptogenesis, and epilepsy- related neuroprotection. Epilepsy Behav ;70(Pt B):319-27. Katona I. (2015) Cannabis and endocannabinoid signaling in epilepsy. Handb Exp Pharmacol;231:285-316.
  1. A transdução de sinais é uma função fisiológica que intermedeia o estímulo externo e a resposta celular.
  1. É uma molécula importante na transdução de sinal numa célula (mensageiro secundário celular).
  1. Ribeiro, José A.C. 2014. A canábis e suas aplicações terapêuticas. Universidade Fernando Pessoa. Faculdade de Ciências da Saúde. Porto.

Legislação

Enquadramento Legal (A, B, C são os separadores dentro do enquadramento Legal) A. Canábis para fins medicinais – Nota introdutória  A Lei n.º 33/2018, de 18 de julho, estabeleceu o quadro legal para a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais, nomeadamente a sua prescrição e a sua dispensa em farmácia, tendo o Decreto-Lei n.º 8/2019, de 15 de janeiro, procedido à sua regulamentação. Este quadro legal teve como objetivo tornar acessível o tratamento com medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis garantindo:
  • que as preparações disponibilizadas cumprem todos os requisitos necessários no que concerne à demonstração da respetiva qualidade e segurança, contribuindo dessa forma para a salvaguarda e proteção da saúde pública e
  • a prevenção do uso indevido de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis de acordo com a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas.
Assim, toda a cadeia de produção, desde o cultivo da planta à sua preparação e distribuição, é conhecida e controlada, sendo possível garantir que os produtos são produzidos de acordo com todas as boas práticas e requisitos aplicáveis. Garante-se, deste modo, que os doentes têm acesso a produtos que demonstraram a respetiva qualidade e segurança, não sendo expostos a riscos desnecessários e evitáveis, prevenindo o seu uso indevido e limitando a sua utilização a casos em que os tratamentos convencionais não produziram os efeitos esperados ou provocaram efeitos adversos relevantes. B. Lista de patologias A utilização destes produtos depende da avaliação clínica, efetuada pelo médico, face às indicações terapêuticas aprovadas. Consultar lista em vigor no site do Infarmed. A dispensa destes produtos apenas pode ser realizada na farmácia mediante apresentação de receita médica. C. Prescrição Atendendo às características destes produtos, a sua prescrição está limitada:
  • Às preparações e substâncias que tenham autorização de colocação no mercado (ACM) concedida pelo Infarmed (e que podem ser verificadas na Infomed);
  • Aos casos em que os tratamentos convencionais não produziram os efeitos esperados ou provocam efeitos adversos relevantes;
  • Às indicações terapêuticas listadas na Deliberação n.º 11/CD/2019.
O médico deve comunicar ao doente todas as instruções necessárias à correta utilização do produto. Pedido de Autorização de Utilização Excecional (AUE) Enquanto não existem medicamentos, preparações e substâncias disponíveis na farmácia para prescrição médica é possível os profissionais de saúde pedirem uma AUE. Consultar circular informativa. D. Licenciamento de atividades O cultivo, fabrico, comércio por grosso, importação e exportação de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais só podem ser feitos depois de autorização do Infarmed. Consulte Licenciamento de atividades.   E. Colocação no mercado  A dispensa de medicamentos, substâncias e preparações à base da planta Canábis para fins medicinais no mercado (farmácias) é feita de duas formas:
  1. Os medicamentos à base da planta da canábis são medicamentos de uso humano, pelo que a sua a introdução no mercado está sujeita a uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM). Consulte AIM.
  1. As preparações/substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais sejam disponibilizadas no mercado, é necessária uma autorização de colocação no mercado (ACM). Consulte ACM e Taxas.
F. Preço Após obtenção da ACM, os respetivos titulares devem comunicar o preço a praticar através do e-mail aprovacao.preco@infarmed.pt. O Infarmed pode opor-se ao preço comunicado, no prazo de 15 dias úteis, devendo o titular da ACM comunicar novo preço. O preço a praticar pode ser revisto em qualquer altura, por iniciativa do titular , desde que comunicado ao Infarmed, de acordo com a legislação em vigor. O regime de preços das preparações ou substâncias à base de plantas da canábis para fins medicinais, encontra-se regulamentado na Portaria nº 44-A/2019, de 31 de janeiro. G. Monitorização da Segurança A monitorização da segurança da utilização de preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais é feita mediante avaliação crítica pelo Infarmed das suspeitas de reação adversa decorrentes do uso destes produtos. Entende-se por reação adversa uma resposta nociva e não intencional. Todas as suspeitas de reação adversa deverão ser descritas com recurso ao preenchimento do formulário (também disponível em pdf para impressão e preenchimento manuscrito) remetendo-o no mais curto espaço de tempo possível para o email farmacovigilancia@infarmed.pt referindo no assunto “Reação adversa à canábis para fins medicinais” ou similar. Antes de notificar uma suspeita de reação adversa, o doente deve discutir o efeito experienciado com o médico prescritor da preparação ou substância à base da canábis para fins medicinais. Para mais informações, consulte o Regulamento da monitorização de segurança destes produtos. H. Legislação em vigor  
  1. Lei n.º 33/2018, de 18 de julho – Regula a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis, para fins medicinais.
  1. Decreto-Lei n.º 8/2019, de 15 de janeiro – Regulamenta a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais.
  1. Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro – Regime jurídico do tráfico e consumo de estupefacientes e psicotrópicos.
  1. Decreto-Regulamentar n.º 61/94, de 12 de outubro – Regulamenta o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
  1. Portaria n.º 44-A/2019, de 31 de janeiro – Regula o regime de preços das preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais.
  1. Portaria 83/2021, de 15 de abril – Define requisitos e procedimentos relativos à concessão de autorizações para o exercício de atividades relacionadas com o cultivo, fabrico, comércio por grosso, transporte, circulação, importação e exportação de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis.
Para mais informações consultar o site do Infarmed

Recomendações

Cristina Sánchez é professora titular de bioquímica e biologia molecular na Universidade Complutense de Madrid. A sua pesquisa baseia-se no estudo do sistema endocanabinóide no contexto oncológico. O objetivo final é entender a ação anti-tumoral dos canabinóides no cancro da mama em termos moleculares e usá-los para fins clínicos. Cristina é Secretária Científica da Sociedade Espanhola de Investigação de Canabinóides e também faz parte do conselho de administração. Ela foi um dos membros fundadores do Observatório Espanhol de Canábis Medicinal e atualmente secretária do mesmo.

 

O único medicamento à base da planta canábis aprovado em Portugal regulamentado pelo Infarmed é o Sativex®, um spray para aplicação na mucosa oral que contém um extrato alcoólico da planta Canábis Sativa, com uma proporção de 1: 1 dos seus principais compostos ativos [Δ9-tetrahidrocanabiol (THC) e canabidiol (CBD)].

Este medicamento pode ser adquirido, com prescrição médica, por pacientes que sofrem de esclerose múltipla, apenas para tratar a espasticidade associada à sua patologia, e somente se eles não tiverem respondido a outras terapias. A realidade do uso terapêutico da planta canábis em Portugal é, no entanto, muito diferente. Centenas de pacientes, com patologias muito diferentes, estão a usar várias preparações desses compostos para aliviar os  seus sintomas e melhorar sua qualidade de vida.

Este artigo fornecerá um resumo das preparações e das vias mais comuns de administração, explicando com rigor científico as vantagens e desvantagens de cada um, para que os pacientes que os usam e aqueles que o fazem no futuro saibam quais opções são mais apropriadas.

 

Considerações Farmacocinéticas

Ao escolher o produto ideal e a via de administração para tratar um sintoma ou patologia em particular, devemos ter em mente as suas características farmacocinéticas ou, em outras palavras, como os compostos ativos são libertados quando presentes no nosso corpo, como são absorvidos, como são distribuídos pelo nosso corpo, como são desativados e expulsos.

Intimamente relacionado à farmacocinética está o conceito de biodisponibilidade, que indica a percentagem do composto ativo que chega à corrente sanguínea, que é o sistema de transporte de nutrientes, oxigénio, medicamentos, entre outros, no nosso corpo. Todas estas questões são determinantes para responder às três perguntas que os pacientes devem fazer ao escolher um produto e uma via de administração: que quantidade de canabinóides será absorvido no meu corpo, quanto tempo demora até eu sentir algum efeito? e por quanto tempo vai durar?

 

Produtos mais comumente usados por usuários de cannabis terapêuticos

Existe uma grande variedade de preparações de canábis utilizados pelos pacientes para fins terapêuticos. Entre estes estão os poucos medicamentos aprovados pelas agências reguladoras Norte Americanas e Europeias: Marinol® (dronabinol) e Cesamet® (nabilona): análogos sintéticos do THC na forma de cápsulas; Sativex® (nabiximols), mencionado acima; e Epidiolex®: CBD puro extraído da planta, apresentado na forma de xarope.

O acesso a estes medicamentos é extremamente limitado, tanto por motivos clínicos (falta de estudos que analisam a eficácia numa multiplicidade de patologias), por razões económicas (os preços são exorbitantes em alguns casos) como por motivos legais (não é permitido o uso destes produtos na grande maioria dos países do mundo). Além disso, estes medicamentos apresentam limitações farmacológicas: uma janela terapêutica muito estreita no caso dos compostos puros; uma relação fixa de THC: CBD no caso de Sativex; e uma farmacocinética lenta em todos eles. Por todas essas razões, os pacientes recorrem a preparações e substâncias alternativas. Os mais usados são flores secas, extratos, óleos e tinturas. Mais recentemente, o uso de cremes, produtos comestíveis, supositórios e sucos.

Os produtos de canábis mais concentrados são genericamente chamados de extratos ou resinas e, dada a natureza hidrofóbica dos canabinóides, são obtidos através de solventes orgânicos (hexano, butano, acetona, benzeno, isopropanol, etanol, etc.). É importante saber que a maioria dos solventes deste tipo são muito tóxicos para o nosso corpo e que os pacientes devem evitar usar produtos que os contenham, mesmo em pequenas quantidades. O solvente menos tóxico para a elaboração desses produtos é o álcool etílico (etanol), com grau alimentício certificado.

Produto de canábis obtido por extração com fluidos supercríticos que apareceu recentemente, foi especificamente o dióxido de carbono (CO2). Este processo é mais eficiente e mais rápido que a extração com solventes orgânicos e não deixa resíduos tóxicos nos produtos finais. Por enquanto, a sua maior desvantagem é o elevado custo que encarece o preparado.

Os produtos de canábis mais utilizados pelos pacientes são os óleos. São preparações menos concentradas que as resinas ou extratos, pois são obtidas através da diluíção em óleos vegetais ou por maceração da planta em óleos vegetais (frios ou quentes). Os óleos mais utilizados são de azeite, sésamo, coco e cânhamo.

Quando a diluição é feita em álcool, os produtos chamam-se tinturas. Estes foram no passado amplamente utilizados em todo o mundo quando o uso medicinal de canábis era legal, o que não acontece atualmente devido aos danos que o uso continuado do álcool como solvente representa, bem como devido à difícil padronização, visto que o etanol é um solvente altamente volátil.

A utilização de produtos de canábis que são produzidos a partir das resinas e óleos está aumentar entre os pacientes, incluindo alimentos como (doces, gomas, esponjas, manteigas, etc.), cremes ou supositórios tópicos.

 

Vias de administração de produtos de canábis

 

Inalação. O consumo de canábis sob a forma de cigarros é um dos mais populares entre os utilizadores terapêuticos. No entanto, essa forma de consumo deve ser evitada, pois está associada a efeitos adversos, como tosse crónica, bronquite e, sobretudo, inalação de produtos de combustão tóxica (monóxido de carbono, alcatrão ou amónia, entre muitos outros). Uma maneira muito semelhante de utilizar a planta canábis, no que respeita ao início da utilização, amplitude e duração dos efeitos, é a inalação através da utilização de vaporizadores. Estes vaporizadores aquecem os preparados da planta canábis até às temperaturas em que os canabinóides descarboxilam, mas sem atingir o ponto de combustão em que os subprodutos tóxicos são gerados, como resultado da pirólise. Através deste método, os canabinóides atingem a sua concentração máxima no sangue e no cérebro alguns minutos após a sua inalação, o que tem duas vantagens importantes em comparação com outras formas de administração: primeiro, o benefício terapêutico é quase imediato, o que é muito útil quando se sofre de crises agudas em certas patologias (picos de dor, náuseas, surtos de doença inflamatória intestinal, etc.); e por outro lado, a velocidade do efeito permite evitar episódios de sobredosagem. Por último, mas não menos importante, a biodisponibilidade dos principais canabinóides consumidos por este método é muito elevada (cerca de 25%, embora com grandes variações entre os indivíduos).

Apesar da sua utilidade para certos pacientes ou situações, a inalação de canábis com vaporizadores tem alguns inconvenientes associados. Por exemplo, a quantidade de canabinóides inalados e presentes no corpo é muito variável e depende de parâmetros como a quantidade e o tipo de produto de canábis colocado no dispositivo, a temperatura e a duração da vaporização, a duração e a eficácia de cada inalação, etc. Além disso, os efeitos dos canabinóides não são prolongados no tempo, já que as mudanças nos níveis plasmáticos são muito rápidas, tanto aumentadas (o que pode ser uma vantagem durante crises de dor aguda, por exemplo) como redutoras. Assim, a inalação pode ser uma via de administração possível para lidar com episódios agudos que necessitem de alívio imediato, mas poderá ser uma melhor opção em tratamentos crónicos, onde se pretende atingir níveis mais elevados de canabinóides, por períodos de tempo mais longos e de consistência na dosagem.

 

Administração oral / bucal / sublingual. Muitos produtos à base da planta canábis utilizados pelos doentes são consumidos por via oral, mucosa ou sublingual (Sativex®, extratos, óleos, alimentos, etc.). Em comparação com a inalação, os efeitos demoram mais tempo a ocorrer através destas vias (0,5 a 6 horas), duram mais e, na utilização da mesma dose, são menos intensos (a biodisponibilidade é menor do que 15% aproximadamente – devido à degradação massiva que ocorre nos recetores de canabinóides no fígado antes de chegar à corrente sanguínea). Não há grandes diferenças entre as vias oral, sublingual e bucal. Esta forma de administração é usada por pacientes com doenças crónicas, que precisam de níveis elevados e  contínuos de canabinóides no seu corpo.

Os efeitos dos produtos comestíveis são mais difíceis de controlar em termos da sua intensidade e do tempo que levam para aparecer. Esta é uma das razões pelas quais esta via de administração está associada a mais episódios de sobredosagem. A absorção é ainda mais lenta do que quando são consumidas as resinas ou óleos puros e verifica-se uma biodisponibilidade mais baixa e mais variável entre os indivíduos (4-12%).

 

Administração tópica. Embora o uso de cremes e pomadas tópicas seja cada vez mais usual, não foram realizados estudos controlados sobre a distribuição e biodisponibilidade desta via. A pouca pesquisa pré-clínica disponível foi realizada com adesivos dérmicos e sugere que a absorção é lenta, duradoura (pico máximo no plasma em aproximadamente uma hora e meia, sustentada até 48 horas) e não é muito alta. Embora o potencial dessa via de administração ainda não tenha sido explorado, nem que os diferentes componentes da canábis têm propriedades analgésicas, anti-inflamatórias etc., esta via pode ser muito benéfica para o tratamento da dor, de inflamações localizadas e superficiais ou condições da pele como acne, psoríase, feridas, picadas de insetos, etc.

 

Administração retal. Até à data, não foram realizados estudos exaustivos ou ensaios clínicos ou ensaios pré-clínicos sobre a farmacocinética da canábis nesta via. No entanto, a sua utilização está a aumentar entre os pacientes a um ritmo alarmante. A explicação para esta crescente utilização reside nos depoimentos de muitos deles, que afirmam poder usar quantidades muito elevadas de THC por dia (mais de 1 g), sem sentir nenhum tipo de efeito psicotrópico. No entanto, a falta de psicoatividade é muito provavelmente o resultado da absorção de THC através da mucosa retal ser muito baixa. O tecido da mucosa retal não capta bem os compostos hidrofóbicos e os canabinóides, incluindo o THC, têm essa natureza química. De fato, alguns estudos têm sido realizados na tentativa de reduzir a hidrofobicidade do THC, a fim de aumentar sua absorção pela via retal. Desta forma, foram obtidas pró-formas de THC (ligadas principalmente ao hemisuccinato) com maior biodisponibilidade do que por via oral. Entretanto, é importante ressaltar que estas são formas sintéticas derivadas do THC, com efeitos biológicos desconhecidos, e não o próprio THC, que é o que os pacientes têm acesso. Por esta razão, as potenciais aplicações de produtos naturais de canábis através desta via de administração são, pelo menos por enquanto, muito limitadas. É possível equacionar a sua utilização, por exemplo, para tratamentos locais, do trato gastrointestinal, ou no caso de pacientes que não podem usar a via oral ou por inalação.

 

Qualidade dos produtos à base da planta canábis. É importante que os pacientes tenham consciência que os produtos, preparações e substâncias à base da planta canábis existentes no mercado em portugal ainda não têm ACM – Autorização de Colocação no Mercado, de acordo com a regulamentação em vigor e que os produtos disponíveis não foram sujeitos a controles de saúde pela entidade reguladora do Infarmed. Os pacientes devem, por isso, certificar-se de que usam produtos da mais alta qualidade possível e, neste caso, o termo qualidade engloba dois conceitos cruciais: saber a quantidade exata dos princípios ativos e ausência de agentes tóxicos. Em relação ao primeiro, é essencial conhecer pelo menos a quantidade de THC e CBD presente nos produtos à base da planta canábis para poder administrar sistematicamente e poder antecipar os efeitos, após tomar cada dose. Além disso, deve-se assegurar que os produtos estão isentos de contaminantes químicos e biológicos, assim os utilizadores devem escolher fornecedores que assegurem, mediante análises químicas fidedignas de laboratórios especializados, que esses produtos provêm de culturas isentas de metais pesados, que não foram utilizados pesticidas, tóxicos ou fertilizantes, que não foram extraídos com solventes nocivos à saúde e que não contêm fungos, leveduras e bactérias, bem como a existência das suas possíveis toxinas.

 

Referências bibliográficas

  1. Canada H, cartographer Cannabis (marihuana, marijuana) and the cannabinoids. Information for Health Care Professionals. Canada2013.
  2. Hazekamp A, Pappas G. Self-Medication with Cannabis. In: Pertwee RG, editor. Handbook of Cannabis. Oxford, United Kingdom: Oxford University Press; 2014.
  3. Huestis MA, Smith ML. Cannabinoid Pharmacokinetics and Disposition in Alternative Matrices. In: Pertwee RG, editor. Handbook of Cannabis. Oxford, United Kingdom: Oxford University Press; 2014.
  4. Biro T, Toth BI, Hasko G, Paus R, Pacher P. The endocannabinoid system of the skin in health and disease: novel perspectives and therapeutic opportunities. Trends Pharmacol Sci. 2009;30(8):411-20.
  5. Brenneisen R, Egli A, Elsohly MA, Henn V, Spiess Y. The effect of orally and rectally administered delta 9-tetrahydrocannabinol on spasticity: a pilot study with 2 patients. Int J Clin Pharmacol Ther. 1996;34(10):446-52. 

Artigo original em: https://www.fundacion-canna.es/en/routes-administration-and-cannabis-products-therapeutic-purposes

Podem também consultar aqui os efeitos terapêuticos dos canabinóides em Espanhol.

 

Estudos Científicos e Ensaios clínicos

A importância de Ensaios Clínicos

Está disponível em infarmed.pt uma lista de Patologias/ sintomas para os quais os médicos têm autorização legal para a prescrição e acompanhamento dos pacientes na toma de medicamentos, preparações ou substâncias à base da planta canábis. Esta lista está em vigor e é passível de ser alterada de acordo com os conhecimentos científicos emergentes. Aqui importa referir que há falta de ensaios clínicos que demonstrem a eficácia e atestem a eficácia da utilização dos canabinóides em nestas e outras patologias/sintomatologias. O custo dos mesmos e o tempo para os realizar são os grandes inimigos e infelizmente tempo é o que justamente os pacientes não têm.

Os ensaios clínicos nesta terapêutica como em qualquer outra são uma ferramenta fundamental visto que nos dão um conjunto de informações necessárias para a utilização de um principio ativo (CBD, THC, CBN, entre outros) com relativa segurança e eficácia no tratamento de determinadas patologias ou sintomatologias, tais como, dosagem, número de tomas diárias e duração do tratamento, interações medicamentosas possíveis, combinações possíveis de canabinóides de acordo com cada patologia, efeitos secundários

Começaram por existir indicações clássicas para a utilização da planta canábis para fins terapêuticos, tais como epilepsia, tratamento da dor, alívio dos sintomas de tratamento de quimioterapia, tratamento da espasticidade em doenças neurodegenerativas, tais como esclerose múltipla. Entretanto com recentes evidencias científicas e empíricas esta lista foi crescendo. Elencamos aqui algumas das patologias e sintomatologias em que estão descritas ou em estudo a utilização de canabinóides com propriedades terapêuticas. Muitas encontram-se dependentes de um resultado clínico conclusivo para a sua aprovação como tratamento eficaz, bem como o apuramento de todas as condicionantes referidas anteriormente como dosagem, etc,

Lista de patologias em estudo

  1. Cuidados paliativos: cancro terminal, idosos com distúrbios do sono, dor e depressão.
  2. Efeitos secundários da quimioterapia: náuseas e vómitos.
  3. Anorexia
  4. Esclerose múltipla: espasticidade e dor
  5. Esclerose LATERAL amiotrófica: espasticidade, dor.
  6. Lesões da coluna vertebral: espasticidade e cãibras.
  7. Epilepsia: em alguns casos de Epilepsias refratárias.
  8. dor: de etiologia muito variável: neuropática, crónica, aguda ou induzida.
  9. Artrose/poliartrite reumatoide/fibromialgia: nas fases agudas da doença para tratar a dor e distúrbios do sono, e para o seu efeito inflamatório.
  10. osteoporose: o sistema endocanabinóide interfere no controle do equilíbrio ósseo.
  11. Distonias neuromusculares
  12. Huntington
  13. Parkinson
  14. Gilles de la tourette
  15. Asma
  16. Glaucoma
  17. Hipertensão
  18. Ansiedade/transtornos depressivos
  19. Distúrbios do sono
  20. Stress pós-traumático
  21. Abstinência e desabituação ao álcool e aos opiáceos
  22. Esquizofrenia e psicose
  23. Alzheimer e outras demências
  24. Psoríase.
  25. Doenças inflamatórias nos Intestinos: colite ulcerosa, doença de crohn, cólon irritável
  26. Inflamação do Fígado e pâncreas
  27. Síndrome metabólica

Autismo

  • Resumo

Houve um aumento dramático no número de crianças diagnosticadas com transtornos do espectro autista (TEA) em todo o mundo. Recentemente, surgiram evidências anedóticas de possíveis efeitos terapêuticos dos produtos da cannabis. O objetivo deste estudo é caracterizar a epidemiologia dos pacientes com TEA que recebem tratamento de cannabis medicinal e descrever sua segurança e eficácia. Analisamos os dados coletados prospectivamente como parte do programa de tratamento de 188 pacientes com TEA tratados com cannabis medicinal entre 2015 e 2017. O tratamento na maioria dos pacientes foi baseado em óleo de cannabis contendo 30% CBD e 1,5% THC. O inventário dos sintomas, a avaliação global do paciente e os efeitos colaterais aos 6 meses foram resultados primários de interesse e foram avaliados por questionários estruturados. Após seis meses de tratamento, 82,4% dos pacientes (155) estavam em tratamento ativo e 60,0% (93) foram avaliados; 28 pacientes (30,1%) apresentaram melhora significativa, 50 (53,7%) moderado, 6 (6,4%) leve e 8 (8,6%) não teve nenhuma mudança em sua condição. Vinte e três pacientes (25,2%) experimentou pelo menos um efeito colateral; o mais comum foi a inquietação (6,6%). A cannabis em pacientes com TEA parece ser uma opção bem tolerada, segura e eficaz para aliviar os sintomas associados ao TEA.

  • Introdução

Houve um aumento de 3 vezes nas últimas 3 décadas no número de crianças diagnosticadas com transtornos do espectro autista em todo o mundo1,2,3,4,5. Nenhum tratamento específico está disponível no momento e as intervenções estão focadas na diminuição dos comportamentos disruptivos, treinamento e ensino de habilidades de autoajuda para uma maior independência6.

Recentemente, a cannabis enriquecida com CBD tem se mostrado benéfica para crianças com autismo7. Neste estudo retrospectivo em 60 crianças, os surtos comportamentais foram melhorados em 61% dos pacientes, problemas de comunicação em 47%, ansiedade em 39%, estresse em 33% e comportamento disruptivo em 33% dos pacientes. A lógica para este tratamento baseia-se nas observações e teorias anteriores de que os efeitos do canabidiol podem incluir alívio da psicose, ansiedade, facilitação do sono REM e atividade convulsiva suprimindo8. Um estudo prospectivo de caso único de Dronabinol (um medicamento à base de THC) mostrou melhorias significativas na hiperatividade, letargia, irritabilidade, estereótipo e fala inadequada aos 6 meses de seguimento9. Além disso, o tratamento dronabinol de 10 pacientes adolescentes com deficiência intelectual resultou em 8 pacientes apresentando melhora no manejo de comportamentos auto-prejudiciais resistentes ao tratamento10.

Em 2007, o Ministério da Saúde de Israel começou a fornecer aprovações para a cannabis medicinal, principalmente para a paliação dos sintomas. Em 2014, o Ministério da Saúde passou a fornecer licenças para o tratamento de crianças com epilepsia. Depois de ver os resultados do tratamento da cannabis em sintomas como ansiedade, agressão, pânico, birra e comportamento auto-prejudicial, em crianças com epilepsia, pais de crianças severamente autistas recorreram à cannabis medicinal para alívio.

Embora muitos com autismo estejam sendo tratados hoje com cannabis medicinal, há uma significativa falta de conhecimento sobre o perfil de segurança e os sintomas específicos que são mais propensos a melhorar sob o tratamento da cannabis. Por isso, o objetivo deste estudo foi caracterizar a população paciente que recebe tratamento de cannabis medicinal para autismo e avaliar a segurança e eficácia dessa terapia.

  • Resultados

População de pacientes

Durante o período de estudo, 188 pacientes com TEA iniciaram o tratamento. O diagnóstico de TEA foi estabelecido de acordo com a prática aceita em Israel; seis psiquiatras pediátricos certificados pelo conselho e neurologistas foram responsáveis pelo tratamento de 125 pacientes (80,6%), as outras 30 crianças foram encaminhadas por outros 22 médicos. A Tabela 1 apresenta características demográficas da população paciente. A média de idade foi de 12,9 ± 7,0 anos, com 14 (7,4%) pacientes com menos de 5 anos, 70 pacientes (37,2%) entre 6 a 10 anos e 72 (38,2%) de 11 a 18 anos. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (81,9%). Vinte e sete pacientes (14,4%) sofria de epilepsia e 7 pacientes (3,7%) do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

Tabela 1 - Características demográficas e clínicas dos pacientes na ingestão

Na linha de base, pais de 188 pacientes relataram, em média, 6,3 ± 3,2 sintomas. A Tabela 2 mostra a prevalência de sintomas com inquietação mais comum (90,4%), ataques de raiva (79,8%) e agitação 78,7%.

Tabela 2 - Prevalência e alteração de sintomas

Os produtos de cannabis recomendados aos pacientes foram principalmente o óleo aplicado sob o tong (94,7%). Sete pacientes (3,7%) receberam licença para compra de óleo e inflorescência e três pacientes (1,5%) recebia uma licença para comprar apenas inflorescência. A maioria dos pacientes consumia óleo com 30% de CBD e 1,5% THC, em média 79,5 ± 61,5 mg cbd e 4,0 ± 3,0 mgs de THC, três vezes por dia (para uma distribuição mais detalhada dos consumos de CBD/THC ver Figo Suplementar. Insônia registrada em 46 pacientes (24,4%) foi tratado com um thc de 3% de óleo thc com, em média, adicional de 5,0 ± 4,5 mg thc diariamente. Todo o conteúdo dos produtos foi validado pelo HPLC (High Performance Liquid Chromatography) em cada ciclo de produção. A dose de cannabis não foi significativamente associada ao peso (coeficiente de correlação r = −0,13, p = 0,30), idade (coeficiente de correlação r = −0,10, p = 0,38) ou sexo (p = 0,38).

Acompanhamento, um mês

Após um mês, dos 188 pacientes, 8 (4,2%) parou o tratamento, 1 (0,5%) mudou para um fornecedor diferente de cannabis, e 179 pacientes (94,6%) tratamento ativo contínuo (Fig. 1). Deste último grupo, 119 (66,4%) respondeu ao questionário com 58 pacientes (48,7%) relatando melhora significativa, 37 (31,1%) melhora moderada; 7 pacientes (5,9%) efeitos colaterais experimentados e 17 (14,3%) relatou que a cannabis não os ajudou.

Figura 1 - A população do estudo nos três períodos de seguimento, a ingestão, após um mês e após seis meses de tratamento de canábis medicinal

Os efeitos colaterais relatados em um mês foram: sonolência (1,6%), mau gosto e cheiro do óleo (1,6%), inquietação (0,8%), refluxo (0,8%) e falta de apetite (0,8%).

Acompanhamento, seis meses

Após seis meses, dos 179 pacientes avaliados no seguimento de um mês, 15 pacientes (8,3%) parou o tratamento, 9 (4,9%) mudou para um fornecedor diferente de cannabis e 155 pacientes (86,6%) tratamento contínuo (Fig. 1). Deste último grupo, 93 (60,0%) respondeu ao questionário com 28 pacientes (30,1%) relatando melhora significativa, 50 pacientes (53,7%) melhora moderada, 6 pacientes (6,4%) leve melhora e 8 (8,6%) não ter nenhuma mudança em sua condição. Nenhuma das variáveis inseridas na análise multivariada para prever o sucesso do tratamento foi estatisticamente significante.

Para avaliar o viés de resposta potencial, comparamos características básicas entre 93 entrevistados e 62 não entrevistados ao questionário de 6 meses. O primeiro grupo foi ligeiramente mais velho (13,7 ± 0,8 vs. 10,8 ± 0,5, p = 0,004).

Qualidade de Vida

Qualidade de vida, humor e capacidade de realização de atividades de vida diária foram avaliados antes do tratamento e aos seis meses. A boa qualidade de vida foi relatada por 31,3% dos pacientes antes do início do tratamento, enquanto aos 6 meses a boa qualidade de vida foi relatada por 66,8% (p < 0,001, Fig. 2 Suplementar). O humor positivo foi relatado pelos pais em 42% antes do tratamento e 63,5% após 6 meses de tratamento (p < 0,001). A capacidade de se vestir e tomar banho de forma independente foi significativamente melhorada, de 26,4% não relataram dificuldade nessas atividades antes do tratamento para 42,9% aos seis meses (p < 0,001). Da mesma forma, o sono bom e a boa concentração foram relatados por 3,3% e 0,0% (respetivamente) antes do tratamento e em 24,7% (p < 0,001) e 14,0% (p < 0,001) durante um tratamento ativo (Tabela 3).

Tabela 3 - Avaliação das atividades diárias

Os sintomas melhorados aos 6 meses incluíram convulsões, dos 13 pacientes em tratamento ativo aos seis meses 11 pacientes (84,6%) relataram desaparecimentos dos sintomas e dois pacientes relataram melhora; a inquietação e os ataques de raiva foram melhorados em 72 pacientes (91,0%) e 66 (90,3%) respectivamente (Tabela 3).

Uso de medicamentos

Os medicamentos crônicos concomitantes mais comuns na ingestão foram antipsicóticos (56,9%), antiepilépticos (26,0%), hipnóticos e sedativos (14,9%) e antidepressivos (10,6%). Dos 93 pacientes que responderam ao questionário de seguimento, 67 relataram uso de medicamentos crônicos na ingestão. No total, seis pacientes (8,9%) relatou aumento no consumo de medicamentos, em 38 pacientes (56,7%) o consumo de medicamentos permaneceu o mesmo e 23 pacientes (34,3%) relataram diminuição, principalmente das seguintes famílias: antipsicóticos, antidepressivos antiepilépticos e hipnóticos e sedativos (Tabela 4). Antipsicóticos, a classe mais prevalente de medicamentos tomados na ingestão (55 pacientes, 33,9%); aos 6 meses foi tomado na mesma dosagem por 41 deles (75%), 3 pacientes (5,4%) diminuiu a dosagem e 11 pacientes (20%) deixou de tomar essa medicação (Tabela 4).

Tabela 4 - Medicamentos concomitantes

Efeitos colaterais

Os efeitos colaterais mais comuns, relatados em seis meses por 23 pacientes (25,2%, com pelo menos um efeito colateral) foram: inquietação (6 pacientes, 6,6%), sonolência (3, 3,2%), efeito psicoativo (3, 3,2%), aumento do apetite (3, 3,2%), problemas de digestão (3, 3,2%), boca seca (2, 2,2%) e falta de apetite (2, 2,2%).

Dos 23 pacientes que interromperam o tratamento, 17 (73,9%) responderam ao questionário de acompanhamento aos seis meses. As razões para a interrupção do tratamento foram: sem efeito terapêutico (70,6%, doze pacientes) e efeitos colaterais (29,4%, cinco pacientes). No entanto, 41,2% (sete pacientes) dos pacientes que interromperam o tratamento relataram intenções de retornar ao tratamento.

  • Discussão

A canábis como tratamento para os transtornos do espectro autista os pacientes parecem ser uma opção bem tolerada, segura e aparentemente eficaz para aliviar os sintomas, principalmente: convulsões, tiques, depressão, inquietação e ataques de raiva. O cumprimento do regime de tratamento parece ser elevado, com menos de 15% parando o tratamento aos seis meses de seguimento. No geral, mais de 80% dos pais relataram melhora significativa ou moderada na avaliação global da criança.

O mecanismo exato dos efeitos da cannabis em pacientes com TEA não é totalmente elucidado. Achados de modelos animais de TEA indicam uma possível desregulação do sistema endocanabinóide (CE)11,12,13,14,15,16 comportamentos de sinalização, uma desregulamentação que foi sugerida para estar também presente em pacientes com TEA17. Mecanismo de ação para o efeito da cannabis no TEA pode possivelmente envolver a regulação da transmissão de GABA e glutamato. O TEA é caracterizado por um desequilíbrio de excitação e inibição da sinalização GABAergic e glutamtergica em diferentes estruturas cerebrais18. O sistema CE está envolvido na modulação de gabaergic desequilibrado19 e transmissão glutamtergica20.

Outro mecanismo de ação pode ser através da ocitocina e vasopressina, neurotransmissores que atuam como importantes moduladores de comportamentos sociais21. A administração da ocitocina aos pacientes com TEA tem se mostrado para facilitar o processamento de informações sociais, melhorar o reconhecimento emocional, fortalecer as interações sociais, reduzir comportamentos repetitivos22 e aumentar o olhar23. O canabidiol foi encontrado para melhorar a liberação de ocitocina e vasopressina durante atividades envolvendo interação social16.

Dois ingredientes ativos principais (THC e CBD) podem ter diferentes mecanismos de ação psicoativa. O THC mostrou-se anteriormente para melhorar os sintomas característicos dos pacientes com TEA em outras populações tratadas. Por exemplo, pacientes relataram menor frequência de ansiedade, angústia e depressão24, seguindo a administração do THC, bem como melhor humor e melhor qualidade de vida em geral25. Em pacientes que sofrem de ansiedade, o THC levou a melhores níveis de ansiedade em comparação com o placebo26 e em pacientes com demência, levou à redução da atividade motora noturna, violência27,28 comportamental e gravidade de distúrbios comportamentais29. Além disso, a cannabis foi mostrada para melhorar a comunicação interpessoal30 e diminuir sentimentos hostis dentro de pequenos grupos sociais31.

Em nosso estudo, mostramos que um tratamento enriquecido por CBD de pacientes com TEA pode potencialmente levar a uma melhora dos sintomas comportamentais. Esses achados são consistentes com os achados de dois estudos crossover duplo-cegos e controlados por placebo que demonstram as propriedades ansiolíticos do CBD em pacientes com transtorno de ansiedade32,33. Em um deles, o CBD teve um efeito significativo no aumento da atividade cerebral no córtex cingulado posterior direito, que se acredita estar envolvido no processamento de informações emocionais32, e no outro, o teste simulado de fala pública foi avaliado em 24 pacientes com transtorno de ansiedade social. O grupo tratado cbd apresentou escores de ansiedade significativamente menores do que o grupo placebo durante a fala simulada, indicando redução nos fatores de ansiedade, comprometimento cognitivo e desconforto33.

O tratamento da cannabis parece ser seguro e os efeitos colaterais relatados pelos pacientes e pelos pais foram moderados e relativamente fáceis de lidar. Os efeitos colaterais mais prevalentes relatados aos seis meses foram a inquietação, aparecendo em menos de 6,6% dos pacientes. Além disso, o cumprimento do tratamento foi elevado e apenas menos de 5% pararam o tratamento devido aos efeitos colaterais. Acreditamos que o cronograma cuidadoso de titulação especialmente na população pediátrica do TEA é importante para manter uma baixa taxa de efeitos colaterais e aumento da taxa de sucesso. Além disso, acreditamos que uma instrução profissional e sessões de treinamento detalhadas dos pais são altamente importantes para o aumento do efeito à proporção de eventos adversos.

Os presentes achados devem ser interpretados com cautela por várias razões. Em primeiro lugar, trata-se de um estudo observacional sem grupo controle e, portanto, nenhuma causalidade entre a terapia da cannabis e a melhoria do bem-estar dos pacientes pode ser estabelecida. Filhos de pais que procuram terapia de cannabis podem não constituir uma amostra representativa do paciente com a doença específica (viés de seleção de autoseleção). Não confirmamos formalmente o diagnóstico de TEA, porém todas as crianças incluídas no estudo foram previamente diagnosticadas com TEA por neurologista ou psiquiatra certificado, conforme exigido pelo Ministério da Saúde antes do início do tratamento à base de cannabis.

Este estudo baseou-se em um autorre relato subjetivo da observação dos pais do paciente e não pelos próprios pacientes. Esses relatos, com variáveis subjetivas como qualidade de vida, humor e efeitos gerais, podem ser tendenciosos pela opinião dos pais sobre o tratamento. Além disso, embora o efeito tenha sido avaliado aos seis meses, não pode ser excluída a possibilidade de exclusão das expectativas infladas do novo efeito “milagre”. A taxa de resposta do questionário aos 6 meses foi de 60%, assim as estimativas da eficácia e segurança do tratamento podem ser tendenciosas. No entanto, alta conformidade (acima de 80%) com o tratamento fornece uma boa evidência da satisfação dos pacientes e pais com o tratamento.

Embora este estudo sugira que o tratamento da cannabis é seguro e pode melhorar os sintomas de TEA e melhorar a qualidade de vida do paciente com TEA, acreditamos que testes duplos cegos controlados por placebo são cruciais para uma melhor compreensão do efeito da cannabis em pacientes com TEA.

  • Métodos

População de estudos

Atualmente, há mais de 35.000 pacientes aprovados para uso de cannabis medicinal em Israel e 15.000 (~42,8%) deles recebem tratamento na Tikun-Olam Ltd. (TO), o maior fornecedor nacional de cannabis medicinal. Este estudo incluiu todos os pacientes que receberam licença de cannabis na TO com o diagnóstico de autismo nos anos de 2015 a 2017.

Durante o processo de tratamento de rotina na clínica de canábis, todos os pacientes dispostos a passar por uma extensa avaliação inicial e seu estado de saúde foi avaliado periodicamente pela equipe de tratamento. Na sessão de admissão, a enfermeira avaliou um histórico médico completo. Os pais do paciente foram entrevistados pela enfermeira e preencheram um questionário médico, que incluiu os seguintes domínios: demografia, comorbidades, hábitos, medicamentos concomitantes, medidas de qualidade de vida e uma lista detalhada de sintomas. Após a ingestão, a enfermeira aconselhou sobre o plano de tratamento.

Regimento de tratamento

O tratamento na maioria dos pacientes foi baseado no óleo de cannabis (um extrato de uma alta cepa de CBD dissolver-se em azeite de oliva em uma proporção THC:CBD de 1:20, 30% CBD e 1,5% THC), e submetido a uma titulação individualizada. A dose inicial foi uma queda sublingual três vezes ao dia com uma gota de óleo (0,05 ml) contendo 15 mg cbd e 0,75 mgs Δ9-THC. O óleo continha 45% de azeite, 30% CBD, 1,5% THC, <1,5% CBC, 0,5% CBG, <0,5% CBDV e <0,1% CBN. Os demais ingredientes foram terpenos, flavonoides, ceras e clorofila

Em pacientes que relataram alta sensibilidade aos medicamentos usados anteriormente, o tratamento começou com óleo contendo 1:20 15% CBD e 0,75% THC. Em pacientes com distúrbios graves do sono, após a fase inicial de tratamento, 3% de óleo de THC foi adicionado à dose noturna. Nos casos com um comportamento agressivo ou violento significativo, 3% do petróleo THC foi adicionado.

A dose foi aumentada gradualmente para cada paciente, dependendo do efeito do óleo de cannabis nos sintomas direcionados de acordo com o plano de tratamento e a tolerabilidade de cada paciente. Encontrar a dose ideal pode levar até dois meses e a faixa de dosagem é ampla: de uma gota três vezes por dia para até 20 gotas três vezes por dia do mesmo produto.

Após um mês, a equipe de tratamento entrou em contato com os pais para acompanhar a progressão do tratamento. Aos seis meses, os pacientes foram submetidos a uma avaliação adicional da intensidade dos sintomas, efeitos colaterais e qualidade de vida.

Resultados do estudo

Para análise de segurança, avaliamos a frequência dos seguintes efeitos colaterais em um e aos seis meses: efeitos fisiológicos – dores de cabeça, tonturas, náuseas, vômitos, dor de estômago, palpitação cardíaca, queda na pressão arterial, queda de açúcar, sonolência, fraqueza, calafrios, coceira, olhos vermelhos/irritados, boca seca, tosse, apetite aumentado, visão turva, fala borrada; efeitos colaterais cognitivos – inquietação, medo, efeito psicoa ativo, alucinações, confusão e desorientação, diminuição da concentração, diminuição da memória ou outro. Os pais do paciente foram solicitados a fornecer detalhes da incidência, duração e gravidade do efeito colateral relatado.

Para a análise de eficácia, utilizou-se a abordagem de avaliação global onde os pais do paciente foram questionados: “Como você classificaria o efeito geral da cannabis na condição do seu filho?” as opções foram: melhora significativa, melhora moderada, leve melhora, sem alteração, leve deterioração, deterioração moderada e deterioração significativa. A avaliação da gravidade dos sintomas do autismo incluiu os seguintes itens: inquietação, ataques de raiva, agitação, comprometimento da fala, comprometimento cognitivo, ansiedade, incontinência, depressão e muito mais. A qualidade de vida foi avaliada em uma escala Likert que varia de muito pobre a pobre, nem pobre nem bom e bom a muito bom34.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Médico da Universidade de Soroka e devido à natureza da análise dos dados com base nos dados clínicos obtidos rotineiramente, foi determinado que não é necessário consentimento informado. Todos os métodos foram realizados de acordo com as diretrizes e regulamentos de pesquisa institucionais e internacionais relevantes.

Análise estatística

Variáveis contínuas com distribuição normal foram apresentadas como meios com desvio padrão. Variáveis ordinárias ou variáveis contínuas com distribuição não normal foram apresentadas como medianas com intervalo interquartil (IQR). Variáveis categóricas foram apresentadas como contagens e percentual do total.

Utilizou-se t-test e t-test emparelhado para a análise das variáveis contínuas com distribuição normal. O teste não paramétrico mann-whitney u e teste de Wilcoxon emparelhado foi usado sempre que suposições paramétricas não poderiam ser satisfeitas.

Utilizamos regressão logística para a análise multivariada de fatores associados ao sucesso do tratamento. Foram incluídas as seguintes variáveis nos modelos com base em considerações clínicas: idade, sexo, número de medicamentos crônicos, número de sintomas totais e os três sintomas mais prevalentes: inquietação, ataques de raiva e agitação (como variável dicotosa- sim/não), como refletido na forma de ingestão.

P valor < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Todas as análises foram realizadas no Centro de Pesquisa Clínica, Centro Médico da Universidade de Soroka, Beer-Sheva, Israel usando a versão 22 do IBM SPSS (SPSS, Chicago, IL).

Declarações

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Médico da Universidade de Soroka (número de estudo: SCRC-0415-15) e a necessidade de consentimento informado foi dispensada devido à natureza retrospectiva da análise dos dados.

  • Disponibilidade de Dados

O conjunto de dados gerado e/ou analisado durante o presente estudonão está disponível publicamente devido à entialidade médica, mas está disponível a partir do primeiro autor em formulário resumido por solicitação razoável, aguardando a aprovação do IRB.

 

Autor / Fonte do Artigo

Autor: Victor Novack

Fonte: Bar-Lev Schleider, L., Mechoulam, R., Saban, N. et al. Real life Experience of Medical Cannabis Treatment in Autism: Analysis of Safety and Efficacy. Sci Rep 9, 200 (2019). https://doi.org/10.1038/s41598-018-37570-y

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