A canábis tem sido usada para fins medicinais há milénios, mas a sua integração na medicina moderna ainda enfrenta desafios burocráticos, dificuldades de financiamento e falta de padronização. A planta contém mais de 500 compostos com potencial terapêutico, cuja interação complexa, aliada à variabilidade genética humana, influencia a eficácia dos tratamentos.
Propriedades medicinais da Canábis
As duas moléculas mais abundantes e estudadas, THC e CBD, ilustram bem a diversidade molecular da canábis. O THC, com efeito psicotrópico, é associado ao alívio da dor crónica, espasticidade e náusea, enquanto o CBD, sem efeitos psicotrópicos, possui propriedades anti-inflamatórias, ansiolíticas e antiepilépticas. Ambos atuam maioritariamente sobre recetores canabinoides, presentes em quase todas as células humanas e em todas as espécies de vertebrados, sugerindo um papel biológico altamente conservado.
Comparados com fármacos convencionais, os produtos à base de canábis apresentam maior variabilidade nos seus efeitos, mas tendem a causar menos efeitos adversos severos. Essa variabilidade resulta da interação entre os diferentes compostos da planta e das diferenças genéticas individuais, reforçando a necessidade de abordagens personalizadas para otimizar a eficácia terapêutica.
Desafios na Investigação: Regulamentação e financiamento
Nos EUA, um dos líderes em investigação biomédica, a classificação da canábis como substância de Classe I impõe barreiras burocráticas e dificulta o acesso a amostras para estudo. A falta de investimento público tem levado a que a investigação seja financiada sobretudo por startups ou instituições académicas. A indústria farmacêutica, tradicional impulsionadora do desenvolvimento de novos fármacos, investe pouco, em parte devido à impossibilidade de patentear substâncias naturais.
Além disso, vários estudos já demonstraram que terapias à base de canábis podem reduzir a dependência de medicamentos como opioides, benzodiazepínicos e antidepressivos. O impacto, potencialmente negativo na receita da indústria farmacêutica, pode ser outro fator que explica a falta de incentivos ao desenvolvimento de novos tratamentos baseados na planta, apesar do seu elevado potencial terapêutico.
O Futuro das Terapias à Base de Canábis
Terapias à base da canábis podem ser usadas isoladamente ou em combinação com outros fármacos, demonstrando efeitos sinérgicos que aumentam a eficácia e reduzem os efeitos adversos. No entanto, a variabilidade individual na resposta ao tratamento exige soluções inovadoras. A genotipagem (análise genética) surge como uma ferramenta promissora para a personalização terapêutica, sendo já utilizada por algumas empresas para prever a eficácia e os riscos associados.
O progresso na investigação dependerá da evolução das regulamentações, do estabelecimento de padrões de qualidade rigorosos e do aumento do acesso a diferentes variedades da planta. A colaboração entre instituições académicas e a indústria será essencial para explorar todo o potencial terapêutico da canábis.
Por fim, a educação continua a ser um fator-chave para o avanço da canábis medicinal. Quebrar tabus, disseminar informação baseada em evidência científica e fomentar o interesse pela saúde são passos fundamentais. Com uma população mais informada, os avanços na legislação serão impulsionados pelo conhecimento, resultando em melhorias significativas na saúde global.
Autor: Bernardo Orr
Fonte: SaúdeOnline