Dor e inflamação são as respostas fisiológicas do corpo a lesões nos tecidos, infeções e mudanças genéticas. Essas respostas podem ser divididas em duas fases: aguda e crónica. A fase aguda é a fase inicial, não-específica, e é caracterizada por aumento do fluxo sanguíneo para a área localizada, aumento da inflamação e edema, que é o inchaço causado pelo excesso de fluido aprisionado nos tecidos do corpo. A dor é produzida por agentes pró-inflamatórios que também levam a um aumento da sensibilidade à dor e a uma resposta extrema à dor, ou hiperalgesia.
Se a condição que causa o dano não for resolvida, o processo inflamatório progride para uma inflamação subaguda / crônica. A inflamação crónica desempenha um papel crítico no aparecimento de doenças inflamatórias clássicas, como a artrite, mas também de várias outras condições, como doenças cardiovasculares e neurodegenerativas, diabetes, cancro e asma.
O estado de dor crónica, incluindo dor neuropática, é um dos principais problemas de saúde em todo o mundo, pois faz com que a pessoa sofra para além da resolução da fonte de dor e pode afetar profundamente a qualidade de vida. Ao contrário da dor fisiológica, na qual a lesão e / ou inflamação do tecido pode induzir alterações adaptativas reversíveis no sistema nervoso sensorial, levando à sensibilização protetora, as alterações na sensibilidade tornam-se persistentes ou crónicas na dor neuropática.
Até à data, não há um tratamento clínico designado para a dor crónica. O alívio adequado da dor pode ser obtido com o uso de medicamentos com efeitos adversos no sistema nervoso central. A qualidade de vida de quem sofre de dor crónica costuma ser agravada por comorbilidades como distúrbios do sono, depressão e ansiedade.
Sistema Endocanabinóide e controlo da dor
As descobertas sobre o sistema endocanabinóide abriram uma nova era para a investigação de canabinóides, descobrindo e avaliando vários usos terapêuticos. Os agonistas CB2 específicos mostraram uma eficiência considerável numa variedade de modelos pré-clínicos de dor neuropática. Cada vez mais evidências, provenientes de estudos clínicos e observacionais, têm confirmado o potencial do sistema endocanabinóide em oferecer benefícios para indivíduos com dor crónica e doenças inflamatórias crónicas. Estudos pré-clínicos demonstraram que os agonistas dos recetores canabinóides bloqueiam a dor em vários modelos de dor aguda e crónica e que a inflamação é reduzida.
Dados de ensaios clínicos com medicamentos sintéticos e derivados de plantas à base de canábis sugeriram que eles são uma abordagem promissora para o tratamento da dor neuropática crónica de várias origens. Também existe a hipótese de que a canábis reduz os efeitos negativos que a dor crónica pode ter no desempenho cognitivo.
Atualmente, indivíduos com dor crónica artrítica e musculoesquelética são relatados entre os utilizadores mais prevalentes de produtos terapêuticos de canábis.
Estudos Canabinoides Sintéticos
Dronabinol é uma forma semi-sintética de THC, que está disponível em forma de cápsula e como uma solução, que foi aprovada pelo FDA para estimulação do apetite e tratamento de náuseas induzidas por quimioterapia em pacientes com AIDS. Um estudo publicado que comparou as formas de solução oral e cápsula de dronabinol em jejum e alimentação, descobriu que o dronabinol exerceu um efeito analgésico modesto, mas clinicamente relevante, na dor central no tratamento da dor de pacientes com esclerose múltipla. Embora a proporção de pacientes que apresentaram reações adversas tenha sido maior em pacientes tratados com dronabinol do que em pacientes tratados com placebo, ela diminuiu com o uso a longo prazo do medicamento.
Usando THC para a dor
O uso de canábis para a dor pode ser rastreado há milhares de anos. Em 2900 A.C., antigos textos chineses mostram registos escritos de canábis como medicamento, recomendando canábis para prisão de ventre, dores reumáticas, distúrbios do trato reprodutivo feminino e malária. Também era usado em conjunto com vinho para anestesiar pacientes durante procedimentos cirúrgicos. Os chineses usavam principalmente sementes de canábis contendo níveis muito baixos de THC. A partir daí, o uso de várias preparações e potências espalhou-se pela Índia, no entanto, foi só no início do século 19 que a canábis começou a ser explorada na medicina ocidental.
Estudos mais recentes com canábis medicinal (THC)
Trazendo o assunto para tempos mais recentes, aqui estão alguns estudos que examinam o uso do THC para dor e condições relacionadas à dor.
Pacientes com cancro inscritos no Programa de Canabis Medicinal de Minnesota relataram, após 4 meses do início do uso da canábis medicinal, que houve uma redução significativa na gravidade dos sintomas em todas as oito medidas incluídas no estudo (ansiedade, falta de apetite, depressão, sono perturbado, fadiga , náusea, dor e vómito) em comparação com a linha de base.
Num outro estudo realizado em Israel, foram recrutados um total de 128 indivíduos com mais de 50 anos de idade com dor crónica e problemas de sono. O uso de canábis medicinal foi associado a menos problemas para acordar à noite em comparação com o uso de canábis não medicinal, mostrando que o uso de canábis medicinal pode ter um efeito geral positivo na manutenção do sono durante a noite em pacientes com dor crónica.
Uso de opióides e canabinóides
Com o aumento do acesso à canábis e à prescrição de opióides mais conservadora, as evidências sugerem que os doentes estão a substituir opióides por canábis. Por exemplo, as prescrições de analgésicos opióides preenchidas por inscritos no Medicare Parte D caíram significativamente nos estados com leis de canábis medicinal, e os pacientes com dor crónica relatam redução de mais de 60% no uso de opióides nesses estados americanos. Alguns doentes com dor relataram que a canábis aumentou os efeitos analgésicos dos seus opióides ou diminuiu a dose de opioide necessária para o efeito terapêutico.
A demonstração dos efeitos analgésicos dos canabinóides naqueles que tomam opióides para dor crónica sugere que a canábis pode aumentar as propriedades analgésicas dos opióides, portanto, diminuindo a dose total, ou fornecer qualidades analgésicas suficientes por si só para servir como um substituto. No entanto, não existem dados de estudos controlados com placebo que abordem diretamente se a canábis pode diminuir as doses analgésicas eficazes de opióides. Além disso, até o momento, nenhum estudo investigou o impacto das combinações de drogas opióides-canabinóides na probabilidade de abuso, um aspeto crítico quando se considera a utilidade terapêutica de duas drogas que podem ter risco significativo de abuso quando administradas sozinhas.
Os investigadores desses estudos sugerem que uma estratégia farmacoterapêutica que capitaliza o potencial do THC para diminuir o uso de opióides, ao mesmo tempo que minimiza seus efeitos intoxicantes, deve ser priorizada. Por exemplo, o THC oral produz efeitos analgésicos que são mais duradouros do que a canábis fumada, ao mesmo tempo que induz avaliações mais baixas de intoxicação e efeitos subjetivos positivos.
Aplicações de CBD
Até à data, o uso generalizado de canábis medicinal ainda é controverso, principalmente porque a planta produz efeitos terapêuticos e psicoativos. Há fortes evidências sugerindo que os canabinóides não intoxicantes, como o CBD, também podem aliviar a inflamação crónica e a dor em animais. Vários estudos clínicos demonstraram que uma combinação de THC e CBD pode ser uma opção terapêutica eficaz para indivíduos com dor neuropática, bem como outros tipos de dor crónica. No entanto, os investigadores apontam para a necessidade de melhorar a eficácia desses canabinóides no combate à dor crónica. Um obstáculo é a incerteza dos alvos moleculares dos efeitos analgésicos induzidos por canabinóides. Estudos recentes mostraram que os receptores de glicina (GlyRs) são um alvo importante para os canabinóides no sistema nervoso central. Um estudo com roedores mostrou que os canabinóides glicinérgicos, como o CBD, são agentes terapêuticos ideais para inflamação e dor neuropática, pois podem suprimir ambos sem causar efeitos colaterais intoxicantes significativos ou tolerância a analgésicos.
Existe um número crescente de evidências por meio de ensaios observacionais e estudos em animais de que o CBD apresenta uma oportunidade para o tratamento da dor crónica intratável para a qual os tratamentos primários são insuficientes ou impossíveis. Desde o início dos anos 2000, ensaios clínicos envolvendo CBD para dor crónica mostraram efeitos que variam de equivalente a placebo a altamente eficaz entre doentes que sofrem de esclerose múltipla, lesão da medula espinhal, lesão do plexo braquial, amputação de membro, fibromialgia e transplante de rim.
Estudos observacionais têm mostrado consistentemente melhorias na qualidade de vida auto-relatada e na qualidade do sono. Mais recentemente, os utilizadores de canábis num estudo observacional relataram em média menor dor no mês anterior em relação aos controles.
Uso Tópico
Para alguns que estão na fase aguda de dor crónica, ou que não estão totalmente prontos para tomar a terapia canabinóide por via oral, os produtos tópicos podem oferecer alívio. A administração tópica é potencialmente ideal para áreas localizadas, como aquelas encontradas em condições dermatológicas e artrite, mas também na dor neuropática periférica. Tópicos podem ser melhores para crises agudas e administração ao longo do dia.
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Fonte: Home – Realm of Caring Foundation
Artigo Original: Cannabinoid Therapy for Pain
Tradução de: Caroline Esteves, OPCM