A utilização de canabinoides em contexto clínico tem vindo a ganhar terreno em Portugal, acompanhando a evolução internacional no tratamento da dor crónica e de outras condições clínicas. Apesar da crescente procura por parte dos doentes, muitos médicos continuam a sentir dificuldades em perceber exatamente o que está aprovado, como prescrever e quais os limites legais.
Desde 2018, o uso de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis está regulado em Portugal. Atualmente, o Infarmed apenas aprovou produtos derivados da planta de canábis para uso medicinal em indicações muito específicas, sendo a dor crónica a principal. Existem ainda autorizações para utilização em situações como náuseas e vómitos induzidos por quimioterapia, epilepsia refratária, síndrome de Tourette e outras condições.
É crucial sublinhar que o consumo de produtos “CBD”, óleos vendidos online, suplementos, ou qualquer substância não aprovada pelo Infarmed não constitui prescrição médica válida, não tem garantia de qualidade e pode colocar o doente em risco.
A legislação portuguesa determina que qualquer médico pode prescrever, independentemente da especialidade. No entanto, face à complexidade de titulação, às interações medicamentosas possíveis e à heterogeneidade dos perfis clínicos, idealmente esta terapêutica deve ser acompanhada por:
– Médico de família, que conhece o histórico completo do doente;
– Especialista em dor, quando aplicável;
– Equipas multidisciplinares, sobretudo em casos refratários ou polimedicados.
Esta articulação garante maior vigilância sobre eficácia, impacto funcional, efeitos adversos e objetivos terapêuticos.
Os produtos aprovados para uso medicinal podem incluir:
– Preparações ricas em THC
Indicadas sobretudo em dor crónica, espasticidade, algumas síndromes neurológicas específicas e situações de perda de apetite associada a doença grave.
O THC tem efeito analgésico e neuromodulador, mas também maior potencial de efeitos adversos psicoativos.
– Preparações ricas em CBD
Com menor risco psicoativo, podem ter utilidade como adjuvante em epilepsia refratária ou ansiedade associada a doença crónica, embora a indicação formal seja limitada.
– Formulações equilibradas THC/CBD
Procuram conjugar analgesia com melhor tolerabilidade.
Cada preparação tem concentrações específicas, métodos de administração (geralmente oral por vaporização ou solução oral), e perfis de efeito distintos. A escolha deve ser individualizada.
Apesar da regulamentação e da crescente aceitação clínica, persistem obstáculos:
– Desconhecimento técnico entre profissionais;
– Falta de uniformização de critérios de seleção de doentes;
– Estigma social e preconceitos.
Os canabinoides representam uma ferramenta terapêutica adicional no arsenal do médico para situações complexas e refratárias, sobretudo na dor crónica. A chave está em saber o que está aprovado, como prescrever com segurança e selecionar bem o doente certo.
Com mais formação, guidelines claras e maior acessibilidade, será possível que esta classe terapêutica passe a ser uma opção real e segura para os doentes que dela possam beneficiar.
SaúdeOnline, edição novembro 2025.
Fonte: SaúdeOnline
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Autor: Raul Marques Pereira