São cada vez mais os países que abrem caminho para a legalização. Em Londres, o tópico foi relançado esta semana por Sadiq Khan, que promete criar uma comissão para estudar os benefícios da descriminalização caso seja reeleito no início de maio. Em Portugal o uso terapêutico foi legalizado em 2018, está regulamentado desde fevereiro de 2019 e começa a dar os primeiros passos, mas a legalização para uso recreativo é vista com apreensão.
BÁRBARA FERREIRA*
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A canábis é uma das plantas medicinais mais antigas do mundo. Segundo o Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM), a planta foi usada durante muitos séculos por comunidades europeias e do Leste Asiático para a aquisição de fibras e para o fabrico de tecidos devido à sua resistência. O uso da canábis para fins medicinais surgiu em 2,700 A.C. no reinado do Imperador chinês Shen Nung. Na época a planta já era usada para tratar uma grande variedade de doenças, entre elas convulsões e epilepsia. Embora as propriedades psicoativas da planta fossem identificadas em meados do século XIX, o uso da planta milenar entrou em declínio no século XX devido à proibição do seu cultivo. No entanto, a partir dessa altura foram inúmeras as investigações levadas a cabo por investigadores e farmacólogos que comprovaram a eficácia das propriedades da planta para diversas patologias e sintomas como epilepsia, convulsões, redução de náuseas e vómitos de doentes oncológicos, distúrbios alimentares, esclerose múltipla, entre outros.
A CANÁBIS EM ALGUNS PAÍSES DO MUNDO
O progressivo conhecimento das propriedades da canábis para o uso medicinal e a consequente remoção desta planta da lista da ONU das substâncias mais perigosas, proporcionou uma crescente tendência de liberalização relativamente ao consumo de canábis por tudo o mundo, vejamos: O México, por exemplo, um país conservador, mas com uma intensa atividade na exploração de canábis, anunciou recentemente a despenalização do seu uso para fins recreativos. A lei permitirá que maiores de idade possam transportar até 28 gramas e cultivar no máximo seis pés da planta em casa. O México é um país com uma produção de 450 mil toneladas de canábis por ano, que movimenta 3,2 mil milhões de dólares por ano, com 126 milhões de habitantes em que 2,4 milhões são consumidores regulares. O grande objetivo do Governo com esta legalização passa por tentar enfraquecer o mercado no narcotráfico dos carteis e permitir que os pequenos agricultores liderem o comércio de canábis no país. Só em 2020, o comércio da planta natural e a variedade de alimentos e bebidas que contêm THC, princípio psicoativo da canábis, produziu 18,3 mil milhões de dólares, um salto de 70% em comparação com o ano de 2019. Atualmente o setor emprega mais de 320 mil pessoas no país.
No país vizinho, nos Estados Unidos, são já vários os Estados que legalizaram o uso recreativo de canábis entre eles Nova Jersey, Arizona, Dakota do Sul, Colorado, Washington, Oregon, Alasca, Califórnia, Maine, Massachusetts, Nevada, Arizona, Montana entre outros.
O Estado do Colorado, que legalizou o uso recreativo em 2012, entre 2010 e 2014 viu os encargos judiciais e de investigação criminal relacionados com a canábis diminuírem em 80%, de acordo com um relatório do Poder Judiciário do Colorado. O principal fator para esta redução está estritamente relacionado com a redução de acusações relacionadas com a posse de droga. O relatório revela ainda que houve uma redução no número de detenções associados à canábis sintética desde que existem lojas de venda, sendo este um benefício da legalização uma vez que são pouco conhecidos os impactos da canábis sintética na saúde.
O Uruguai foi o primeiro país do mundo a legalizar a produção, distribuição e uso da canábis por adultos para fins recreativos em 2013. É permitido que os cidadãos cultivem até seis plantas em casa, podendo criar clubes privados para a própria produção, os chamados “growing clubs”. Contudo, o Governo controla a venda através de uma rede de pontos de venda ao público. Cada consumidor com idade mínima de 18 anos é obrigado a registar-se numa base de dados criada pelo Ministério da Saúde e a compra de canábis é limitada a 40 gramas por mês. Para atenuar o mercado paralelo, foi fixado o preço de 1 dólar por grama, que corresponde ao valor do mercado ilegal. Continua a ser proibido fumar no local de trabalho, conduzir sob efeito da canábis e, portanto, aqueles que infringirem estas leis podem ser multados, retirados da base de dados do Ministério e ficarem impossibilitados de comprar.
Na Holanda e em Espanha o consumo recreativo é permitido, mas só é possível fazê-lo dentro de “coffee shops” ou locais com a devida licença. Em Itália, o cultivo em casa é apenas permitido em pequenas quantidades e a pose para uso recreativo foi descriminalizada. Na África do Sul, Geórgia e Luxemburgo o consumo é legalizado com algumas restrições e em cerca de 42 países, incluindo Portugal, o uso de canábis é apenas permitido para fins medicinais. Em Londres, o tema da descriminalização foi esta semana lançado por Sadiq Khan, que promete nomear uma comissão independente para estudar benefícios da legalização caso seja reeleito mayor nas eleições de 6 de maio, mas Downing Street rejeitou prontamente a ideia. Segundo a imprensa britânica, a afirmação de fonte oficial foi de que será uma “perda de tempo” uma vez que esta é uma matéria nacional e Boris Johnson não tem qualquer intenção de legalizar a canábis. Por cá a ideia também não tem ganho fôlego.
Apesar da tendência crescente da legalização para uso recreativo em todo mundo, João Goulão, diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), acredita que ainda não é possível tirar uma conclusão da forma como deve ser encarado este assunto. “Nós continuamos a ter muitos vieses daquilo que são os resultados obtidos nos países que fizeram a experiência de regulação de mercado. De qualquer forma é uma discussão que está em curso em muitos países, principalmente em muitos países europeus, mas no plano dos acordos internacionais penso que estamos ainda longe de chegar a um consenso ou sequer uma consistência no sentido da legalização do uso recreativo da canábis”.
CANÁBIS NO PARLAMENTO
Dia das Mentiras “Cannabis ‘recreativa legalizada. Governo faz acordo com oposição. Colômbia oferece 300 mil plantas de cannabis. Quer uma?”. A notícia publicada na quinta-feira pela revista Agricultura e Mar Actual, centrada nas temáticas do mundo rural e economia do mar, dava nota de “secretas reuniões” no Parlamento para evitar uma crise política, com negociações com os vários partidos, incluindo a legalização da canábis, proposta do BE. “O Projecto de Lei será enviado ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 31 de Junho. E temos a garantia de que o Presidente irá aprovar o diploma. Tudo para evitar eleições antecipadas”. Posto isto, a Associação de Produtores de Marijuana de Colômbia está a oferecer 300 mil plantas de cannabis a todos os portugueses que as queiram plantar e tratar, escreviam ainda. Aos primeiros minutos de 2 de abril, a publicação esclareceu que a peça tinha sido a “mentira de 2021.
O diretor geral do ISCAD reconhece que Portugal está numa fase inicial do desenvolvimento de produtos de canábis para uso terapêutico mas acredita que a lei está adequada para o contexto do país.
DOIS ANOS DE UMA NOVA VIDA PARA A CANÁBIS
Desde 2018 que é permitido a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais, mediante a prescrição médica e a sua dispensa em farmácia. No entanto, a lei anterior já previa que empresas pudessem pedir uma autorização para a comercialização deste tipo de medicamentos. E Portugal já tinha entrado na rota do cultivo para fins medicinais.
O primeiro medicamento à base de canábis regulamentado pelo Infarmed e aprovado em Portugal foi o Sativex® em 2012. O medicamento comercializado na Europa pela farmacêutica Almirall é um spray para aplicação oral que contém TCH e CBD – dois compostos da canábis – em proporções iguais e só pode ser adquirido por doentes diagnosticados com esclerose múltipla, para tratar a espasticidade (os músculos perdem a capacidade de relaxar e estão constantemente contraídos) associada à patologia e apenas pode ser tomado se os doentes não tiverem respondido a outras terapias.
Existem vários medicamentos à base da planta de canábis no mercado internacional, mas apenas seis estão aprovados por agências europeias, sendo o seu acesso bastante limitado por três razões. Primeiro porque muitos destes medicamentos necessitam ainda de estudos que avaliem a sua eficácia em várias patologias; segundo, grande parte destes medicamentos têm preços altíssimos e torna-se muitas vezes inviável a sua aquisição, e terceiro, em muitos países não é legal o consumo dos mesmos.
Atualmente em Portugal são onze as empresas que têm autorização da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) para cultivar, importar e exportar a planta de canábis para fins medicinais.
Uma delas é a Sabores Púrpura, uma empresa portuguesa com uma longa experiência no setor agrícola, que é gerida por Sofia Ferreira e o seu marido, que entraram nesta indústria com um objetivo concreto, ajudar um dos filhos que sofria com convulsões. “O facto do nosso filho ter convulsões fez-nos descobrir a canábis medicinal e tentar fazer cultura, ainda não se falava em canábis medicinal em Portugal.
O meu filho tem seis anos e começou a ter convulsões com um ano de idade, portanto há cinco anos ainda estava tudo muito verde, ainda não havia empresas instaladas em Portugal e não se falava muito sobre isto, então começámos a procurar uma solução” explica Sofia ao i.
Apesar de não ter uma doença diagnosticada, o filho dos empresários tinha frequentes episódios de convulsões antes de ter febre, sendo este último sintoma recorrente num bebé ou devido do crescimento dos dentes ou por uma gripe. Sofia explica que “toda a terapêutica que ele tomava era quando tinha as convulsões, ou seja, não havia nada de preventivo. O que ele tomava era diazepam, que é extremamente agressivo e limitador. Para já nós nunca sabemos se vai agir, se não porque aquilo é dado por via retal e nos espasmos das convulsões o medicamento as vezes sai e, portanto, nunca sabemos se é eficaz. Sempre que ele o tomava ficava pelo menos 24 horas a dormir e passávamos mais 24 horas no hospital em observação. Portanto isto foi assim uma vivência um pouco traumática para nós, e como qualquer pai vai à procura de soluções e nós encontrámos, a canábis medicinal”.
Ao deterem experiência na área agrícola e de todos os processos industriais, tinham a noção de que produzir medicamentos de uma planta pode ter bastantes riscos, principalmente pelo uso de pesticidas. “Os pesticidas podem, por exemplo, usar-se na alimentação e não nos fazem mal, mas para outras vias de inalação os pesticidas fazem muito mal. E, portanto, nós sabemos como é que operam as empresas e não sou contra a utilização de pesticidas, mas sou contra uma utilização de pesticidas que não tem avaliação de risco”, revela Sofia. É com base neste pensamento que em 2016 decidiram pedir uma autorização para a produção de canábis medicinal. Nessa altura a lei já previa a produção de medicamentos, mas só com a nova legislação é que o projeto foi aprovado.
O processo de produção é moroso. “Vamos cultivar um pomar de laranjas, não interessa se uma laranja é maior, se é mais pequena, se é mais doce ou mais ácida, no caso da canábis interessa”, explica Sofia, que teve de padronizar todo o cultivo e todos os processos durante três gerações de plantas.
Depois da padronização, os produtos passam por três fases para validar e conferir os resultados: a probabilidade de desvio da natureza é maior do que um medicamento como o paracetamol, em que se doseia 500 ou 1000 miligramas, compara Sofia. Posteriormente aos processos estarem finalizados, Sofia elucida que “é necessário colocar os produtos em câmaras de estabilidade pelo menos 6 meses para que possamos ter então a data de validade. Entregamos ao Infarmed um dossiê onde constam todas estas etapas e depois disso o Infarmed vai inspecionar e avaliar se nós fizemos as qualificações, as validações das coisas que foram realizadas. E quando isto está tudo finalizado, o Infarmed autoriza ou não os produtos”.
“AS PESSOAS ESTÃO A CONSUMIR CANÁBIS POR TENTATIVA E ERRO”
A Sabores Púrpura que tem produções de canábis em Tavira, Lisboa e futuramente em Beja, trabalha em parceria com empresas da indústria farmacêuticas, algumas sediadas na Alemanha, que neste momento já fazem a transformação das plantas adquiridas à empresa em óleos medicinais. A empresa aguarda por uma última inspeção para poder comercializar também em Portugal os mesmos óleos. Ainda sem um medicamento à venda no mercado, o filho do casal nunca chegou a tomar uma sustância à base de canábis, mas Sofia Ferreira tem a certeza que terá efeitos positivos, “uma parte da minha formação foi também medicina, portanto acredito muito nos canabinóides pela forma como eles interagem com o nosso organismo. É preciso é ter uma boa via de administração e uma linguagem correta, que é a parte mais complicada da canábis e ainda está muito inexplorada. As pessoas estão a consumir canábis por tentativa e erro. Por isso é necessário testar mais, é necessário fazer teste clínicos e é necessário testar outras vias de administração” afirma.
Em fevereiro de 2021 foi aprovada a primeira e única preparação ou substância à base da planta da canábis para fins medicinais, produzida em Portugal pela empresa canadiana Tilray com uma Unidade de Produção em Cantanhede. A multinacional abriu portas em Portugal no ano de 2019 e centra-se na investigação e desenvolvimento de preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais. O produto composto por flores secas com 18% de THC estará à venda a partir de abril nas farmácias pelo valor de 150 euros para “os casos em que se determine que os tratamentos convencionais não produzem os efeitos esperados, entre as quais, dor crónica (associada a doenças oncológicas ou ao sistema nervoso); espasticidade associada à esclerose múltipla ou a lesões da espinal medula; náuseas e vómitos (resultantes da quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e medicação para a hepatite C, estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com SIDA, Síndrome de Gilles de la Tourette e glaucoma resistente à terapêutica, competindo ao médico assistente decidir sobre a sua utilização, e qual a dosagem e esquema de administração adequado”, explica ao i Rita Barata, Head of Marketing EMEA & Country Manager Iberia na Tilray.
A PLANTA E OS EFEITOS NO ORGANISMO
A planta de canábis é composta por variados compostos químicos, e entre eles estão os canabinóides. O CBD e o THC são os mais conhecidos.
O canabidiol (CBD) não tem propriedades psicoativas. Segundo o Observatório Português de Canábis Medicinal, os benefícios abrangem doenças inflamatórias, auto-imunes, tumorais entre outras patologias.
Já o canabinóide THC tem propriedades psicoativas, mas também funciona como anticonvulsivante, analgésico, relaxante muscular, anti-inflamatório, antiemético e estimulador do apetite.
Francisco Mouro, doutorado em neurociências e investigador do Instituto de Medicina Molecular, atualmente investiga os efeitos da canábis em processos cognitivos emocionais e sociais. O investigador explica ao i de que forma é que os canabinóides CBD e TCH agem no organismo humano: “O THC é o principal constituinte da planta e responsável pela maioria dos efeitos negativos e prejudicais do consumo da mesma. Mas isto não significa que o THC não tenha efeitos positivos e potencialmente terapêuticos. Aliás, o primeiro medicamento produzido apenas com constituintes naturais da planta que foi aprovado no mundo contém na sua composição uma quantidade igual de THC e CBD. O THC pode ser muito útil em situações em que a sua ação ajuda a compensar algo que se encontra desequilibrado.”
O investigador explica que o organismo está predisposto a receber estes canabinóides porque tal como a planta de canábis, o corpo humano também produz os próprios canabinóides, mas neste caso são designados de endocanabinóides. No entanto, a sua indução deve ser vista como uma balança, explica, “uma boa forma de olhar para o sistema de endocanabinóides é de o imaginar como uma balança. No seu estado fisiológico, através de uma fina e precisa modulação dos seus constituintes, esta balança encontra-se equilibrada. No entanto, em determinadas situações, este equilíbrio pode desaparecer. Sabe-se, por exemplo, que em algumas doenças o estado fisiológico do sistema de endocanabinóides se encontra desequilibrado. Este é um exemplo de uma situação onde uma janela terapêutica pode estar aberta”, ou seja, é favorável a administração dos canabinóides da canábis, “por outro lado, o sistema de endocanabinóides pode ficar profundamente desequilibrado através do consumo de canabinóides externos. As preparações de canábis apresentam níveis muito elevados destas moléculas que se vão ligar aos recetores de canabinóide de forma desproporcional, comparando com o que acontece a nível fisiológico, o que, em última instância, conduz ao tal desequilíbrio.”
OS PERIGOS DO CONSUMO REGULAR
Apesar dos comprovados benefícios das propriedades da canábis para diversos tratamentos medicinais, esta planta também pode ter malefícios quando usada sem moderação, explica Francisco Mouro. “O THC é o principal constituinte psicoativo da planta da canábis e responsável por praticamente todos os efeitos prejudiciais do consumo da mesma. A ação do THC no nosso organismo é responsável por uma miríade de efeitos prejudiciais que vão desde alterações nas funções cognitivas, como sejam a memória, a perceção e a atenção, ao aumento da ansiedade, a sensação de paranoia, fenómenos psicotomiméticos e o desencadear de perturbações psiquiátricas como por exemplo o ataque de pânico, a perturbação de pânico, a psicose tóxica e até pode precipitar o aparecimento de esquizofrenia.”, refere. “A associação do consumo de canábis com estes efeitos negativos aparenta estar profundamente relacionada com o padrão de consumo (sendo o padrão esporádico muito menos perigoso do que uma exposição crónica), com a dose de THC ingerida, com a via de consumo, e, sobretudo, com a idade com que se inicia um consumo crónico e sustentado”.
O especialista expõe que o consumo de canábis durante o período da adolescência pode ser especialmente perigoso “pelo facto de o cérebro do adolescente ainda se encontrar em desenvolvimento, em particular a região do córtex pré-frontal, uma zona do cérebro cuja maturação só fica concluída após os 20 anos de idade e que se encontra envolvida no controlo de comportamentos importantes, como por exemplo a tomada de decisão. A ação dos canabinóides no cérebro do adolescente provoca alterações no correto desenvolvimento e maturação sináptica o que pode explicar, em parte, as consequências prejudiciais que estes indivíduos podem experienciar mais à frente na sua vida. Inclusive, hoje em dia encontra-se bem estabelecida a relação entre o consumo crónico de canábis durante a adolescência e uma possibilidade acrescida de vir a desenvolver esquizofrenia durante a vida adulta”, indica. Contudo, Francisco Mouro alerta que não são apenas os adolescentes que poderão a vir a sofrer consequências negativas do consumo recorrente, mas também os adultos que demonstrem um consumo regular.
LEGALIZAÇÃO PARA USO RECREATIVO: SIM OU NÃO
Nos últimos dias, Nova Iorque juntou-se à lista de estados norte-americanos que legalizam a canábis para fins recreativos. Passam a ser 15 estados onde é legal o consumo de canábis e a produção para consumo individual, sem ser para fins medicinais. Por cá, tanto o Bloco de Esquerda como o PAN já propuseram a legalização do consumo recreativo e a hipótese de auto-cultivo chegou a estar em cima da mesa quando foi debatida a aprovação do uso terapêutico, não tendo avançado.
Laura Ramos, fundadora do CannaReport e diretora do Portugal Medical Cannabis (PTMC), defende que o acesso ao consumo de canábis deve ser alargado à população em geral e insiste nesse ponto: o cultivo em casa. A jornalista e ativista refere que cada vez mais existem suplementos alimentares de CBD que são vendidos sem controlo e muitos são erradamente utilizados, e, portanto, a produção por auto-cultivo, por pessoas informadas das propriedades da planta, seria algo mais controlado pelo utilizador. Ainda assim Laura alerta que é preciso ter cuidado com o THC e que o consumo antes dos 21 anos não é boa ideia, sublinhado que “tem que ser uma escolha responsável, feita no momento certo, pelas pessoas certas e devagarinho”.
Para Carla Dias, diretora do Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM) o grande entrave do auto-cultivo para fins medicinais prendia-se com o facto de não existir formação das pessoas para esse efeito. “Agora começou a surgir esta questão de que tem tiver uma planta em casa pode usufruir dos benefícios dela tendo em conta a sua saúde, mas é muito importante continuar a ter o acompanhamento médico e o acompanhamento médico não se faz com uma planta. Não há médico nenhum em Portugal que acompanhe um doente com uma planta que tenha em casa.” explica Carla Dias.
No entanto a falta de acessibilidade deste tipo de medicamentos comercializados em Portugal, tem levado a que muitas pessoas com patologias e sintomas que podem ser tratados por substâncias derivadas de canábis, cultivem em casa. A docente esclarece que “existe uma lei, mas as pessoas não têm acesso ao medicamento que a lei prevê. Mas neste momento não há medicamentos, preparações ou substâncias para todas as patologias das sete indicações que estão no Infarmed. Portanto coloca-se uma questão de acesso: como não há, as pessoas tentam ir por outras vias ilegais e há de tudo. Há pessoas que plantam em casa fazem extração e usam os estratos, há outros que não estão para isso e compram os estratos a quem produz e ainda há pessoas que compram de outros países através da internet e muitas vezes os produtos ficam presos na alfandega.” O problema destas “rápidas soluções” é que na maior parte das vezes as pessoas não sabem o que estão a tomar e para Carla Dias esta é uma questão de saúde pública.
Sofia Ferreira, diretora da Sabores Púrpura, diz ser contra a legalização para fins recreativos: “As pessoas menosprezam muito os riscos pelo facto de existir imensa gente a consumir canábis para fins recreativos por todo o mundo. Eu não sabia, nunca fui consumidora e descobri que sou alérgica à canábis. Já quase morri quatro ou cinco vezes em acidentes de trabalho. Curiosamente a minha reação são convulsões. Nunca tinha tido convulsões na vida e tive uma primeira convulsão mesmo em contacto com plantas, fiz choque anafilático e estamos só a falar de absorção pela pele. Sou contra porque apesar de não ser narcótico tem um efeito modelador e, portanto, se altera o nosso organismo, ao ponto de alterar a nossa homeostase (estabilidade do nosso organismo), não deve de maneira nenhuma ser consumido livremente por pessoas que acham que aquilo não faz mal a coisa nenhuma.”
Para Francisco Mouro, a questão da legalização para consumo recreativo tem de ser avaliada sob pontos de vista científicos, sociais e legais e defende que “a nível terapêutico, não faz muito sentido admitir que cada pessoa possa ter a sua pequena produção de canábis para consumo próprio. A produção de medicamentos à base de canábis deve ser controlada e envolver o máximo de qualidade, controlo e segurança possível, para se saber exatamente o que se está a tomar e em que dose. Ainda para mais, hoje em dia sabe-se que a concentração de THC nas preparações de canábis vendidas ilegalmente tem vindo a aumentar significativamente, alerta. “Estou plenamente consciente de que a canábis pode ser uma solução quase milagrosa para casos de doenças em que as outras terapêuticas falham e que o seu consumo traz alívio e melhora a qualidade de vida de inúmeras pessoas. Também tenho consciência que se nós enquanto sociedade não encontramos alternativas seguras, legais e acessíveis para que estas pessoas possam adquirir o produto que necessitam, elas irão recorrer a outros meios, possivelmente ilegais, para o conseguir”, diz. Ao ser legalizado o uso recreativo em Portugal, o investigador defende que é imprescindível que esta seja uma atividade altamente regulamentada e coordenada por entidades responsáveis e não deixada ao livrearbítrio de cada um.
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Fonte: Jornal I